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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

“-MEUS IRMÃOS NÃO QUEREM ME AJUDAR!”



Maristela, enquanto picava os legumes e verduras para o almoço, lembrara do dia que dona Maria da Conceição desceu do ônibus na Rodoviária de São Paulo, vinda do sertão da Paraíba. O pai tinha acabado de falecer de enfisema pulmonar, depois de mais de 50 anos de cigarro. A mãe, que na verdade não era paraibana e sim maranhense, já não tinha mais nenhum filho morando em Campina Grande. A idade de 70 anos e o isolamento da família fez com que resolvesse atender ao pedido de Maristela e veio com ela morar em terras paulistanas.


No começo, a filha achou que a mãe estivesse triste e apática com a morte do pai. Maristela ficara viúva, após o marido morrer, vítima de acidente de trabalho na construção civil. Até que dona Conceição era prestativa e ajudava muito a filha nos afazeres da casa. Auxiliava também tomando conta dos netos, dois meninos de 9 e 11 anos, bagunceiros e barulhentos como deveriam ser as crianças desta idade. A avó vivia trocando os nomes dos netos, o que se chamava Glauberson, ela chamava de Laedson e vice-versa.


Mas o que parecia somente tristeza e lapsos, com o passar de menos de dois anos, transformou-se em esquecimento sério e em dificuldade patente em fazer coisas até banais, como cozinhar (era quituteira de mão cheia) e até de manter-se asseada e limpa.


- Dona Maristela – sentenciou o geriatra do centro de referência da saúde dos idosos – depois que eu examinei sua mãe, mais a avaliação de nossa psicóloga, juntamente com os exames que a senhora trouxe, chegamos ao diagnóstico de doença de Alzheimer.


A história familiar de dona Conceição é também muito forte para o lado de demência: a mãe e uma irmã tiveram problemas de caduquice, com esta mesma idade.


- Doutor, não entendi este negócio de Alzheimer e de demência. O que isto tem a haver com a caduquice de minha tia e de minha avó?


- É muito simples: nós chamamos de demência todas as doenças que evoluem com problemas de esquecimento severo, junto com alterações de comportamento e com dependência da família. Antigamente, os médicos não sabiam diagnosticar direito essas doenças e o povo chamava os idosos de caducos e esclerosados. A principal causa de demência é
a doença de Alzheimer. E é o que achamos que sua mãe vem apresentando.

Maristela, atônita com o diagnóstico do médico, ainda conversou com a psicóloga. Esta lhe deu várias orientações sobre como cuidar da mãe, explicando, principalmente, como agir, quando sua mãe estivesse muito confusa e agitada, coisa que podia ocorrer no decorrer da evolução do Alzheimer.


Ganhou folhetos e manuais sobre a doença e o tratamento e, na única vez que leu, viu alusões à ABRAz, uma associação que ajudava as famílias. Entretanto, não pareceu dar muita importância. Sua mãe era uma pessoa muito calma e de paz, nunca agiria daquela forma. Não ela!


Logo, logo as crianças voltariam do colégio, que era pertinho de casa, o almoço já pronto para ser servido e dona Conceição ainda não tinha acordado.


- Acorda, mainha, acorda! Já são quase meio-dia e a senhora ainda está dormindo! Eu nem pude dormir direito esta noite e sabe por quê? A senhora não deixou, ficou zanzando pela casa, esperando papai chegar do trabalho, juntos com os irmãos. Mãe, o pai já morreu e meus irmãos não moram mais com a gente. Nós não estamos na Paraíba!


A mãe mal conseguia abrir os olhos, depois de mais uma noite acordada e agitada. Só sossegou depois que Maristela lhe dera mais 20 gotas daquele remédio que o doutor receitara, para quando a mãe estivesse muito agitada. Parece que somente 20 gotas à noite antes de dormir já não estavam fazendo mais efeito.


Nos últimos três meses, esta mesma cena se repetia, de dia acordando muito tarde, grogue e dopada. De noite, queria ir embora para a sua casa, perguntava toda hora onde estava o marido que não chegava, batia nas portas e janelas, querendo sair da casa.


Maristela, mais uma vez, telefonou para a irmã, que morava numa cidade próxima, pedindo para ela receber por alguns dias a mãe. Ela precisava descansar. Laedson e Glauberson precisavam de mais atenção, estavam criando problemas no colégio, suas notas não eram boas e, para piorar a situação, começaram a gritar com a avó e com Maristela. A irmã sempre tinha alguma desculpa na ponta da língua, ora o neto que estava doente, ora era ela que não podia, pois estava em tratamento de coluna. Nunca podia ajudar. Aliás, ajudava no que podia, pois parte dos remédios da mãe, quem comprava era ela.


Os irmãos também moravam em São Paulo, mas cada um tinha a sua vida, a sua família e nenhuma nora queria ajudar. Nem dinheiro mandavam. Que a irmã se virasse. Esta via sacra não parecia ter fim, até o dia que a mãe fugiu de casa e só foi achada à beira da Marginal Tietê, totalmente perdida. Na rua onde moram, foi um acontecimento quando o carro da polícia parou em frente da casa de Maristela, deixando sã e salva a mãe, assustada com a aglomeração dos vizinhos.


Maristela foi logo de manhã cedo conversar com o geriatra.


- Doutor, não aguento mais esta doença da minha mãe! Já não durmo direito há vários dias, minha mãe não pára de falar no meu ouvido, querendo saber sobre meu pai e, ainda por cima, ela agora deu pra fugir!


Juntos, o geriatra e a psicóloga perguntaram se ela não recebia ajuda da família para cuidar da mãe. Foi como se um vulcão de raiva e de desespero eclodisse de Maristela: “-MEUS IRMÃOS NÃO QUEREM ME AJUDAR!”


Os dois profissionais entreolharam-se, percebendo claramente o nó da questão. Como cuidadora familiar, a filha estava sozinha, cansada e abandonada à própria sorte. Se esta situação perdurasse mais um pouco, quem iria ficar doente era a filha. A psicóloga lembrou-se da primeira conversa que haviam tido sobre a mãe e perguntou se Maristela estava participando das reuniões do grupo de auto-ajuda da ABRAz, que era num salão paroquial do bairro vizinho.


- Não dei muita importância aos folhetos e ao manual que a senhora me deu. Nem sei o que quer dizer esta tal de ABRAz.


-Maristela – explicou a psicóloga – ABRAz que dizer Associação Brasileira de Alzheimer e é um ONG que tem a preocupação toda especial com as famílias e com os cuidadores de idosos com Alzheimer. Acham que, orientando bem a família e o cuidador, sobre várias questões referentes ao cuidado com o idoso portador, muitas destas situações poderiam ser evitadas e minimizadas. Você participaria de reuniões com várias outras famílias e perceberia que não está sozinha neste drama. Milhares de famílias também têm os mesmos problemas ou já passaram pelas mesmas situações. Vale a pena participar!


Uma semana depois, no salão paroquial do bairro vizinho, a coordenadora local da ABRAz agradeceu a presença dos presentes à mais uma reunião da ABRAz. Pediu a todos, também, as boas vindas para mais uma nova participante, solicitando que se apresentasse:


- Meu nome é Maristela, moro no bairro vizinho e minha mãe tem a doença de Alzheimer. Estou muito cansada, pois cuido dela sozinha e ela está numa fase muito agitada. Meus irmãos não querem me ajudar a cuidar de nossa mãe. Estou procurando a ABRAz para buscar ajuda…


E começou a chorar.


fonte: http://www.cuidardeidosos.com.br/meus-irmaos-nao-querem-me-ajudar/ A reprodução deste texto só pode ser realizada mediante expressa autorização do Portal Cuidar de Idosos

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