Autor: Dr. Pedro Pinheiro »
A nefropatia membranosa, também chamada de glomerulonefrite
membranosa ou glomerulopatia membranosa, é uma doença de origem renal
que provoca lesão nos microscópicos filtros dos rins, levando à perda de
grandes quantidades de proteínas na urina e, frequentemente, ao
desenvolvimento da síndrome nefrótica. Nos casos mais graves, essa
nefropatia pode levar à insuficiência renal crônica terminal e
necessidade de hemodiálise.
A nefropatia membranosa é uma das
formas mais comuns de doença glomerular, sendo mais frequente em adultos
do sexo masculino acima dos 30 anos de idade. Existe tratamento para a
glomerulopatia membranosa, mas nem todos os pacientes precisam, pois a
doença evolui de forma benigna em cerca de 70% dos casos.
Nesse artigo vamos tentar explicar a nefropatia membranosa com uma linguagem simples, abordando os seguintes pontos:
- O que é a uma doença glomerular.
- O que é a síndrome nefrótica.
- O que é a nefropatia membranosa.
- Quais são os seu sintomas.
- Quais são as suas causas.
- Como é feito o diagnóstico.
- Qual é o tratamento mais indicado.
O que é uma doença glomerular
Não há como falar sobre uma doença glomerular sem antes explicar o que é um glomérulo. Portanto, vamos começar pelo básico.
Todos
os nossos órgãos são compostos por unidades básicas de funcionamento:
temos os neurônios no cérebro, os hepatócitos no fígado, os alvéolos no
pulmão, os miócitos cardíacos no coração e assim por diante. Nos rins, a
unidade básica funcional é chamada de néfron.
Cada rim possui
cerca de um milhão de néfrons. Essas unidades microscópicas são as
responsáveis pela filtração do sangue e por alguns hormônios produzidos
pelos rins. Cada néfron é composto por um glomérulo e seu respectivo
túbulo renal. É nos glomérulos que fica a membrana basal, os verdadeiros
filtros dos nossos rins. É lá que o sangue é filtrado e as substâncias
em excesso ou desnecessárias direcionadas para a urina.
Um dos
principais sinais de doença dos glomérulos é a presença de proteínas
urinas. Em situações normais, quase não perdemos proteínas na urina
porque elas são grandes demais para passarem pelos pequenos poros da
membrana basal. Porém, quando há lesão da membrana basal, como a ocorre
na nefropatia membranosa, as proteínas que antes eram barradas pelo
filtro e permaneciam no sangue passam agora a ser eliminadas
inapropriadamente na urina. A analogia mais fácil de ser feita para essa
situação é com um coador ou uma peneira furada.
O que é síndrome nefrótica
Quando
a lesão da membrana basal do glomérulo é grave, a perda de proteínas na
urina – chamada de proteinúria – pode ser severa. Quando a eliminação
de proteínas na urina é maior que 3500 mg (3,5 gramas) por dia, dizemos
que o paciente tem proteinúria nefrótica.
Esse elevado grau de
proteinúria costuma provocar urina espumosa, queda dos níveis de
proteínas no sangue, edemas por todo o corpo e elevação do colesterol sanguíneo, alterações que caracterizam a síndrome nefrótica.
O que é a nefropatia membranosa
Feitas
as devidas introduções aos temas glomerulopatia, proteinúria e síndrome
nefrótica, podemos agora começar a falar especificamente da
glomerulopatia membranosa.
A nefropatia membranosa é uma doença de
origem glomerular, caracterizada por lesão da membrana basal, com
consequente proteinúria, que pode ou não chegar a níveis nefróticos.
Cerca
de 30% dos pacientes adultos com síndrome nefrótica têm como
diagnóstico a nefropatia membranosa. A doença ocorre habitualmente em
adultos acima dos 30 anos e é duas vezes mais comum em homens do que em
mulheres.
A evolução clínica dessa glomerulopatia costuma ser
váriável, pois existem desde os casos com cura espontânea até aqueles
que não respondem a nenhum tipo de tratamento e acabam perdendo
completamente a função dos seus rins. Em geral, a história natural (i.e.
o que acontece se não for tratada) da glomerulopatia membranosa pode
ser descrita da seguinte forma:
- Até 30% dos pacientes podem ter remissão total da proteinúria de forma espontânea dentro de 5 anos.
- 25 a 40% dos pacientes podem ter remissão parcial da proteinúria de forma espontânea dentro de 5 anos (a proteinúria melhora, mas não desaparece totalmente).
- A ocorrência de doença renal terminal surge em aproximadamente 14% dos pacientes nos primeiros 5 anos, 35% em 10 anos e 41% em 15 anos.
Portanto, a nefropatia membranosa é uma
doença habitualmente pouco agressiva, com mais da metade dos pacientes
livres de hemodiálise nos primeiros 15 anos. Falaremos dos sinais que
indicam uma forma mais agressiva da doença mais à frente nesse artigo.
Causas da nefropatia membranosa
A
glomerulopatia membranosa pode ser dividida em formas primária e
secundária. A nefropatia membranosa primária é aquela que surge sem que
haja uma causa por trás. O paciente não tem nenhuma outra doença,
apresentando apenas essa lesão glomerular. A nefropatia membranosa
secundária, por sua vez, é obrigatoriamente provocada por alguma outra
doença, que pode ser desde infecções virais até tumores.
Vamos começar falando sobre a nefropatia membranosa secundária, que é a forma mais fácil de ser entendida.
Causas de nefropatia membranosa secundária
Cerca
de 75% dos casos de glomerulopatia membranosa são primários. Apenas 25%
apresentam uma causa identificável por trás. As mais comuns são:
- Lúpus eritematoso sistêmico.
- Hepatite B.
- Hepatite C.
- Câncer (principalmente de pulmão, cólon ou melanoma).
- Sífilis.
- Esquistossomose.
- Malária.
- Hanseníase.
- Fármacos (penicilamina, anti-inflamatórios, sais de ouro, probenecida, captopril em doses muito elevadas, terapia com inibidores do fator de necrose tumoral – etanercept, infliximab ou adalimumab).
É
importante destacar que apenas uma pequena parcela dos pacientes com as
condições listadas acima acabam por desenvolver nefropatia membranosa. A
maioria dos pacientes com hepatite B, hepatite C, câncer ou sífilis,
por exemplo, nunca desenvolvem lesão dos glomérulos.
Nos casos secundários, o controle da doença de base costuma ser suficiente para tratar a nefropatia.
Causas de nefropatia membranosa primária
A origem das formas primárias são menos claras e mais complexas.
A
nefropatia membranosa primária é uma doença de origem imunológica.
Tudo
indica que a doença surja porque o sistema imunológico passa a produzir
anticorpos contra estruturas presentes na membrana basal, provocando
deposição de complexos imunes que provocam danos à membrana filtradora. A
nefropatia membranosa é, portanto, uma doença de origem autoimune (se
você quiser entender melhor o que é uma doença autoimune.
Recentemente,
foi descoberto que até 80% dos pacientes com nefropatia membranosa
primária apresentam anticorpos contra os receptores de fosfolipase A2,
uma proteína presente na membrana basal glomerular. Esse anticorpo só
existe nos pacientes com a forma primária da doença e já pode ser
pesquisado através de exames de sangue. Quanto mais alto forem os
títulos no sangue, mais agressiva costuma ser a doença.
Sintomas da glomerulopatia membranosa
Os
principais sintomas da nefropatia membranosa decorrem da perda de
proteínas na urina. Quanto mais grave for a proteinúria, mas intensos
costumam ser os sinais e sintomas.
80% dos pacientes têm
proteinúria suficientemente elevada para apresentarem síndrome
nefrótica, sendo o inchaço dos membros inferiores (que pode evoluir para
todo corpo) e uma urina bastante espumosa os sinais mais fáceis de
serem detectados pelo paciente. Sangue visível na urina (hematúria
macroscópica) é raro, mas pode acontecer em alguns casos. Hipertensão arterial surge em cerca de 30% dos casos.
Se
a perda de proteínas for muito grande, geralmente acima de 10 gramas
por dia, o risco de complicações torna-se mais elevado, sendo as
infecções, principalmente pneumonia, e os eventos trombóticos os mais comuns. Trombose venosa profunda, trombose da veia renal e tromboembolismo pulmonar são muito mais frequentes nesses pacientes do que na população em geral.
Uma proteinúria elevada também está relacionada ao risco do paciente desenvolver insuficiência renal crônica.
Quanto maior for a perda de proteínas e quanto mais tempo ela existir,
maior é o risco do paciente entrar em falência renal e acabar ficando
dependente de hemodiálise.
Achados laboratoriais
Nas
análises laboratoriais, os principais achados são: elevação do
colesterol, níveis baixos de albumina sanguínea e presença de proteínas
nos exames de urina. Hematúria
microscópica, ou seja, sangue na urina detectável apenas através do
exame de urina, está presente em cerca de 50% dos casos.
Elevação da creatinina no sangue no
início do quadro só ocorre em uma minoria dos pacientes, mas, quando
presente, indica uma doença mais agressiva e um pior prognóstico.
Sinais de bom prognóstico
Os
pacientes com proteinúria menor que 3,5 gramas por dia e com função
renal normal (creatinina sanguínea normal) são aqueles que costumam
apresentar doença mais branda, com bom prognóstico e elevada chance de
melhora parcial ou total da doença mesmo sem tratamento.
Sinais de mau prognóstico
Proteinúrias
persistentemente acima de 8 gramas por dia e elevação da creatinina no
inicio do quadro, ou ao longo dos primeiros meses, são sinais de uma
doença mais agressiva. Se após 6 meses não houver melhoria do quadro, a
chance do paciente desenvolver insuficiência renal terminal* dentro dos
primeiros 5 anos de doença é de 75%.
*Obs:
raros são os casos em que o paciente morre devido à nefropatia
membranosa. O que costuma acontecer na pior das hipóteses é o rins do
paciente pararem de funcionar e ele ficar dependente de hemodiálise.
Diagnóstico da glomerulopatia membranosa
A
nefropatia membranosa deve ser pensada em todos os pacientes adultos
com síndrome nefrótica (nas crianças, a causa mais comum costuma ser
outra doença glomerular, chamada doença de lesão minima). O médico indicado para conduzir a investigação e o tratamento é o Nefrologista.
Historicamente, todos os pacientes com síndrome nefrótica eram submetidos à biópsia renal,
pois essa era a única forma de se fazer o diagnóstico. Porém, desde a
descoberta do anticorpo anti-receptor da fosfolipase A2 (anti-PLA2R), o
diagnóstico das formas primárias ficou mais fácil e seguro. Atualmente, a
dosagem sanguínea desse receptor é feita antes de se pensar na biópsia.
Se o paciente tiver um quadro clínico compatível, se não houver
suspeita de causas secundárias e o anti-PLA2R for positivo, não é mais
necessário levar o paciente à biópsia.
A biópsia renal hoje em dia
fica reservada para os casos com apresentação atípica, doença muito
agressiva desde o início ou para quando há suspeita de causas
secundárias.
Tratamento da nefropatia membranosa
1. Nefropatia membranosa primária
Assim
como quase toda doença de origem auto-imune, o tratamento da nefropatia
membranosa primária é feito com imunossupressores, que são fármacos
fortes e com elevada taxa de efeitos colaterais. Entretanto, como até
70% dos pacientes apresentam melhora parcial ou total, mesmo sem
tratamento, nem todos os pacientes acabam sendo candidatos à terapia
imunossupressora. Se o Nefrologista achar que os riscos do tratamento
superam os riscos da própria doença, esse tipo de tratamento não é
indicado.
Portanto, pacientes com níveis baixos de proteinúria de
forma persistente (i.e. menos de 4 gramas por dia por pelo menos 6
meses) são considerados de baixo risco, apresentam bom prognóstico e não
costumam ser tratados com imunossupressores.
Pacientes com
proteinúria entre 4 a 8 gramas por dia, que não apresentam melhora após 6
meses de observação, são considerados de moderado risco e costumam ser
tratados com terapia imunossupressora.
Pacientes com mais de 8
gramas de proteinúria por dia ou com elevação da creatinina sanguínea
são considerados de alto risco e costumam ser tratados desde o início
com terapia imunossupressora.
Terapia imunossupressora para glomerulopatia membranosa
A
forma de imunossupressão mais utilizada para a nefropatia membranosa é o
chamado esquema de Ponticelli modificado, que consiste na administração
de corticoides em doses elevadas e ciclofosfamida, administrados
mensalmente, de forma alternada, por 6 meses (corticoides nos meses 1,3 e
5 e ciclofosfamida nos meses 2,4, e 6).
Como um dos efeitos
colaterais mais comuns da ciclofosfamida é a infertilidade, nos
pacientes jovens que ainda pretendem ter filhos, o tratamento pode ser
feito com ciclosporina.
Terapia não imunossupressora para glomerulopatia membranosa
Todos
os pacientes, sejam eles de baixo, médio ou alto risco, devem ser
tratados com medicamentos que reduzem a proteinúria. As duas principais
classes de fármacos para esse fim são:
- Inibidores da enzima de conversão da angiotensina – iECA (ex: enalapril, lisinopril, ramipril, captopril e perindopril).
- Antagonistas do receptor da angiotensina II – ARA2 – (ex: losartana, candesartana, olmesartana, valsartana e telmisartana).
Ambas
as classes são igualmente eficazes, não havendo estudos que mostrem
superioridade de um qualquer um desses fármacos sobre os outros.
2. Nefropatia membranosa secundária
Nos
pacientes com a forma secundária da doença, o tratamento é direcionado
para a doença de base. Ou seja, se o paciente tem hepatite C e
desenvolve glomerulopatia membranosa, o tratamento deve ser feito para
hepatite C. Se ele tiver sífilis, deve tratar a sífilis. Se a causa for
algum medicamento, o tratamento passa pela suspensão do medicamento.
Na maioria dos casos, a nefropatia membranosa secundária desaparece conforme a doença de base é controlada.
obs. conteúdo meramente informativo procure seu médico
abs
Carla
https://www.mdsaude.com/2018/04/nefropatia-membranosa.html
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