Andréa Baptista
"O mundo despedaça todas as pessoas, e posteriormente, muitos se tornam fortes nos lugares partidos." Ernest Hemingway
Quando recebi o convite do portal do Einstein pra escrever este
texto, confesso que fiquei com receio. Como reunir duas questões tão
importantes da minha vida, minha experiência como paciente de câncer e
minhas impressões com o estudo da psicologia e da psicossomática
psicanalítica? Por mais que eu faça minhas próprias associações, colocar
num papel não era uma tarefa muito fácil. Mas aceitei o desafio e
então... vamos lá!
Aos 32 anos de idade, recebi um diagnóstico de leucemia mieloide
aguda: uma doença agressiva que eu só conhecia de filmes como Love Story
e de algumas notícias bem tristes sobre alguns casos. Assim como no
filme, os casos que conheci na vida real não tiveram um final feliz.
Então, num primeiro momento, leucemia, na minha cabeça, estava associada
a algo de fato muito ruim. No entanto, tive a sorte e o privilégio de
iniciar este processo amparado por pessoas muito especiais, que me
passaram confiança e me fizeram acreditar que eu sairia daquela
situação. O grupo de pessoas ao qual me refiro são meus familiares e
amigos, meus médicos, e a equipe de enfermagem que cuidou de mim. Além
disso, quero dizer que sou uma pessoa de muita, mas muita fé mesmo. Por
fé, entendo Deus, a vida e eu mesma.
Hoje, passados 11 anos do diagnóstico, e 10 do transplante, tenho uma
visão bem particular do meu caso. Juntando peças aqui e outras ali,
montando um grande quebra cabeça, formei uma “leitura”de tudo o que me
aconteceu. Mas essa é apenas a ideia que formei a meu respeito, num
estudo “autobiográfico”, pensando nos contextos que vivi e no meu
percurso pessoal. Somos todos personagens de uma história, cada um com a
sua. Eu também tenho a minha, e nesse cenário todo a psicologia teve e
tem um papel fundamental, seja na minha posição como estudante ou como
paciente no consultório de psicanálise ao longo dos últimos 5 anos.
Posso dizer que o processo psicoterapêutico me ajudou em muitos
aspectos , e continua a ajudar ainda. Algumas questões mais emergenciais
foram sanadas, mas para mim esse processo terapêutico era um “processo”
e não bastava eliminar alguns conflitos mais gritantes, queria ir mais
fundo nessa busca.
Ainda anseio por respostas a tantas perguntas que moram em mim. Mas
vale falar também que, mais uma vez, fui premiada ao encontrar uma
psicoterapeuta que, acima de tudo, entendeu exatamente o que eu
precisava, me acolheu, e respeitou meu ritmo, não ultrapassando nenhum
limite. Acompanhou-me no passo que eu podia dar, em cada momento do
percurso, com paciência e muito afeto. Ao longo desse processo percebi
que era como seu eu tivesse um grande armário para olhar, desarrumar,
para só depois voltar a arrumar. Minha terapeuta me pegou pela mão, me
levou até o armário, aguardou até o momento que eu quisesse abrir e
então abrimos juntas, porta por porta, gaveta por gaveta, e assim, pouco
a pouco, as coisas se organizavam na minha vida. A importância da
terapia na minha vida é algo impossível de mensurar.
Penso que a terapia é uma forma de rever as maneiras com as quais
lidamos com questões difíceis. Mas não é a única. A religião, por
exemplo, é um outro caminho que parece alcançar muitos resultados.
Percebo constantemente que ainda existe o preconceito contra a
psicologia, e ela ainda é vista como algo que pode “atrapalhar mais do
que ajudar”. “Para que saber tanto?”, perguntam. Ou ainda, dizem que é
coisa de “louco”, de “desequilibrado”. De fato, alguns momentos de um
processo terapêutico são difíceis , mas é importante conseguir
superá-los com a ajuda de um bom terapeuta.
Hoje eu percebo que há algum tempo eu era uma pessoa mais
dependente, que precisava de aprovação dos outros para me sentir segura,
e que desconfiava da minha própria capacidade. Penso também que em
muitos momentos na vida nos achamos incapazes de cuidarmos de nós
mesmos. Mas às vezes o cuidado que desejamos é mais do tipo emocional
(com afeto, acolhimento) do que pragmático (organização, objetivos,
imposições etc...).
A psicologia não considera que o componente emocional esteja presente
em 100% dos diagnósticos de uma doença grave, como por exemplo, é a
leucemia. Na verdade, o que acontece é que em muitos casos a própria
pessoa acaba por relacionar ( “associar” na linguagem psicanalítica) sua
doença a fatos de sua própria história. Quando você quebra um osso, da
perna ou de um braço, teve um componente psicológico? Talvez sim, talvez
não. Para Freud nada é acaso. Isso porque, para a psicanálise, há
sempre um significado por detrás das palavras, das ações humanas e até
dos acidentes. A questão não está no osso quebrado, mas pode estar no
contexto pessoal, histórico e emocional que resultou na fratura . O que
sabemos é que se, por um lado, os componentes psicológicos não estão
presentes, em muitos casos eles estão presentes, sim. O que acontece é
que só conseguimos saber disso se as pessoas estiverem dispostas a
falar, a pensar, a associar e relacionar, ou seja, estiverem dispostas a
rever suas próprias historias.
Todo organismo vivo está em constante processo de troca com um
determinado meio. Isso se dá desde uma pequena célula até o nosso corpo
humano. No entanto, as nossas trocas são mais complexas, a interação
com o meio é maior e constante. Um exemplo simples, que mostra como
nosso corpo reage fisicamente a questões psicológicas, é quando uma
pessoa fica vermelha de vergonha logo após ouvir uma piada que a deixou
constrangida. Nesse caso parece que fica claro que aconteceu uma
interação entre a situação de constrangimento (psicológico) e a
irrigação de sangue na pele (físico). Há uma constante interação entre a
nossa disposição emocional e o funcionamento da nossa “máquina”
bioquímica.
Para alguns autores , essa nossa disposição afetiva está ligada ao
ambiente em que vivemos. Desde o nosso nascimento até a nossa morte, o
ambiente no qual estamos inseridos terá alguma influencia sobre nós.
Donald W. Winnicott , pediatra e psicanalista, verificou em suas
observações e estudos que, desde muito cedo, o adoecimento psíquico de
uma pessoa e o curso de uma enfermidade seria compreensível como uma
expressão das dificuldades próprias da vida, quer sejam nas tendências
herdadas, quer seja na influencia do ambiente ou na interação de ambas.
É verdade que parece ser muito mais fácil a realização de estudos
objetivos, digamos assim, no corpo. Com certeza, é mais complicado medir
a quantidade de medo que determinada pessoa tem, o quanto este medo
pode estar prejudicando seu aparato corporal ou até mesmo saber o quanto
o seu ambiente influencia tal medo. No entanto, nos últimos 100 anos, a
psicanálise vem dando respostas para muitas dessas questões, com
inúmeros casos clínicos e dos mais diferentes tipos, descritos.
Por muitas vezes as pessoas podem estar inseridas em ambientes não
muito fáceis. Estes “lugares” que as vezes ocupamos , nem sempre foram
confortáveis e podemos não saber como lidar com conflitos e situações
que estejam presentes em nossas vidas. É importante mencionar que a
teoria psicanalítica não se propõe a compreender o adoecer de forma
total ou muito menos tratar estes casos isoladamente. Mas o que parece
ser de fato importante é o processo de integração da psique no soma
(corpo) e o que envolve esta relação entre corpo-emoções-relação com o
ambiente.
A doença é, na visão de alguns autores, e eu particularmente
acredito nisso, muitas vezes um pedido de “socorro”, uma tentativa de
restabelecimento do equilíbrio, e pode surgir como uma forma de
solucionar um conflito existente. Muitas vezes, uma insônia, por
exemplo, é a forma que a pessoa encontra inconscientemente para não
entrar em contato com os sonhos, conteúdos de desejos, com um mundo mais
profundo que existe em nós, ou uma necessidade de ficar preso à
realidade ou até mesmo um estado de “alerta” contra ameaças reais ou
imaginárias.
Ao contrario do que se pensa algumas vezes, a psicossomática (pelo
menos a qual venho me dedicando a estudar) considera a partir do
referencial psicanalítico acidentes somáticos, situações afetivas,
disfunções orgânicas e perturbações psíquicas sem, entretanto, recorrer
ao modelo psicogenético, que faz do psiquismo uma espécie de vilão das
somatizações .
Enfim, as questões psicológicas podem não ser a causa de uma doença,
ou a única causa de uma doença, mas o que parece ser importante é que,
uma vez que a doença esteja instalada, o aspecto psicológico pode ser um
componente importante do desenvolvimento e do processo de cura do
paciente. Pelo menos foi assim no meu caso.
Como citei anteriormente sobre a importância do ambiente para nós
seres humanos , faço aqui outro paralelo: a importância da equipe médica
e multidisciplinar frente ao paciente e ao seu adoecer.
Considerando que a doença é uma experiência desorganizadora para o
paciente, o papel dessas pessoas que cuidam dele é também o de
“emprestar” um pouco da sua própria organização para acolhê-lo.
Winnicott fala do papel do “holding” (sustentação da mãe em relação a
seu bebê ou de alguém que esteja neste papel), no sentido de que esta
deve se moldar, se identificar com suas necessidades emocionais
oferecendo a ele, bebê, um ambiente suficientemente bom, facilitador.
Esse ambiente ajuda a integrar as “partes desorganizadas”, ajuda a lidar
melhor com as emoções e com as fragilidades.
Segundo Winnicott ,o tratamento de uma doença passa pela provisão de
um ambiente suficientemente bom por parte do terapeuta e dos cuidadores
em geral. Para que os pacientes possamos lidar com toda essa
desorganização , com essa revolução que se abate sobre nós num momento
desses, é necessária que a equipe terapêutica exerça a “função materna”
e por isso o conceito de holding pode ser aplicado a um doente adulto
em uma situação de internação, fragilizado e ameaçado pela sua doença.
Alguns profissionais fazem isso de forma intuitiva, oferecendo
continência, seja com palavras, gestos ou atitudes. Outros talvez
precisassem se preparar mais para desenvolver essa postura ou serem
selecionados mais criteriosamente. Esse ambiente facilitador não pode
ser ofertado de maneira técnico-instrumental.
Um robô pode ser programado para fazer cirurgias na lua do jeito que a
ciência médica caminha. Mas ele, o robô, não parece adequado para
cuidar de seres humanos. Para acolher outra pessoa é preciso empatia,
uma habilidade humana que permite que uma pessoa possa sintonizar com as
emoções da outra.
Mas apesar de tudo, vejo a doença como um grande desafio na minha
vida. Não sei se teria vontade e coragem de rever minha historia de
forma tão ampla e profunda se algo tão mobilizador não tivesse
acontecido comigo. A doença foi um ponto de transformação e acho que
colhi coisas positivas desta experiência dolorosa. Hoje sinto que me
expresso mais, que amo mais, que me sinto mais livre e mais capaz e que
consigo lidar com as minhas questões. Acima de tudo, aprendi a lidar com
tais questões sem deixar de ser eu mesma.
Publicado em
18/12/2012
p.s: olá pessoal achei interessante e resolvi postar espero que ajude de alguma forma.
obs. conteúdo meramente informativo procure seu médico
abs,
Carla
extraído: http://www.einstein.br/einstein-saude/eu-paciente/Paginas/andrea-batista.aspx
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