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sábado, 17 de março de 2012

Viver com um doente de Alzheimer
Três milhões de acompanhantes devem cuidar de 860.000 pacientes, cuja maioria vive em casa. Uma missão de total disponibilidade.Esgotante.

Tradução de Suely Aparecida Tonarque1

“Não tinha nenhum preparo para enfrentar aquilo!”

Testemunhos

Ainda hoje, Chantal não o deixou um minuto sequer. Às 10 horas, uma
enfermeira veio fazer a sua toalete, trocar as fraldas e ajudá-lo a vestir-se.Depois da partida da enfermeira, Chantal passou no pescoço do seu marido,Luís, o colar no qual estão escritos seu nome e seu endereço, caso ele fugisse.

Em seguida, ela o instalou em uma poltrona e sentou-se ao lado dele. Eles assistiram televisão e almoçaram. De tarde, foram caminhar, de braços dados e andando devagar, nesse novo bairro de Bordeaux de que ela gosta e onde estão morando desde o momento que não pôde mais cuidar sozinha do seu velho apartamento que tinha se tornado muito grande. Ele não disse quase nada. Depois, ele adormeceu. Ele dorme muito. Às 19 horas, outra enfermeira chegou para lavá-lo e colocar o pijama. Às vezes, olhando para ele, ela fica pensando no que foram os seus cinquenta e dois anos de casados. Até agora,ele sempre sabe quem ela é.Chantal está com 75 anos e Luís, com 83.

Ela sabe da sorte que tem, pois ele não é agressivo e ainda tem momentos de lucidez em que é capaz, mesmo que nãos seja uma verdadeira conversa, de pelo menos entender o que lhe dizem e responder. Três vezes por semana, ele vai ao hospital dia e ela tem ainda uma filha que, às vezes, pode revezar-se com ela, o que permite à Chantal fazer as compras sem ter de levar o marido com ela. Agora, dormem em quartos separados à noite, antes de se deitar, ela tranca a porta do apartamento e põe a chave debaixo do seu travesseiro para impedir que ele saia sozinho. Até quando isso vai durar? Até quando ela vai aguentar? Não sabe e nem se atreve a perguntar para si mesma.Quantos vivem esse quotidiano?

Atualmente, três milhões de acompanhantes familiares devem cuidar de 860.000 pacientes com a doença de Alzheimer, 61% dos quais vivem em casa. E têm de fazê-lo sem formação nem informação,gerenciando, diariamente, problemas complicados demais para eles. Com o prolongamento da vida, esses números deverão dobrar daqui a vinte anos. “Eu levei muito tempo para entender o que estava acontecendo”, conta Michel com 64 anos.

“Passaram-se três anos antes que diagnosticassem sua doença. Três anos durante os quais eu não suportava o abatimento de minha mulher, suas perdas de lucidez, sua agressividade. Então, eu gritava muito e ficava exasperado cada vez que ela pedia de novo o que ela acabava de me pedir.

Se eu fosse mais jovem naquela época, acho que eu teria deixado a minha
mulher. Agora, eu sei. Não tornou as coisas mais fáceis, mas não fico mais zangado”.


Os parentes do paciente estão desarmados, explica Valérie Villeu, enfermeira a domicílio. Dar o diagnóstico não é informar. A doença de Alzheimer chega como um terremoto e eles têm de se virar. Usamos o termo “ajudantes naturais”, acrescenta a Sra Klein, psicóloga em Villa Pia, um centro de cuidados de dia em Bordeaux. Os familiares são ajudantes, mas não naturais.

Existem trocas de papéis e de gerações. Os filhos devem tocar os corpos de seus pais (isso é transgredir um tabu) e enfrentar tarefas muito íntimas.
O histórico de todos é marcado pelas mesmas provações. Os doentes

esquecem tudo, sempre repetindo as mesmas coisas e sempre existe o risco de eles fugirem e de não saberem onde estão. A vigilância deve ser constante.

Os cuidados se tornam cada vez mais difíceis: alimentar, acompanhar, limpar...

“Minha mãe cuida de meu pai”, conta Armelle, 41 anos. “Quando ela foi hospitalizada durante alguns dias, eu fiquei no lugar dela para cuidar do meu pai. Eu tive que me tornar, de um dia para outro, a enfermeira do meu pai. Era necessário vigiá-lo, prevenir as quedas, responder 25 vezes às mesmas perguntas, limpá-lo quando ele não se controlava.

Nada em nossas relações tinha me preparado para isso. Psicologicamente, é ainda mais duro: lento desaparecimento de memória, a inversão dos papéis, a agressividade, o confronto com as confidências não desejadas, a confissão de várias
infidelidades, as verdades que vêm à tona... Ele não tem mais pudor. Eu fiquei sabendo de um monte de coisas que eu não tinha nenhuma vontade de saber.


E eu imagino com terror que minha mãe, um dia, acabará sabendo tudo isso. E acima de tudo, sinto uma culpa intensa: serei capaz de fazer tudo direito? É culpa minha?”.

Todos falam de seu isolamento, desse sentimento repentino de se achar sem recursos em face de uma tarefa incessante. A cada dia surge um novo problema. A cada dia mesmo, conta Martine Galtier que acompanhou sua mãe até o fim. Durante todos esses anos, Eliane Aubert acordou duas vezes por noite para virar sua mãe que não podia mais se mexer. “Estamos perdidos diante de questões simples” diz Chantal. “Meu marido dormia o dia todo. Devia acordá-lo ou não? Eu não achava resposta.

Era sempre assim. Não sabia onde encontrar ajuda. Eu tive a chance e o poder de conseguir um hospital dia em Bordeaux e participar de grupos de ajuda. Isto foi um alívio extraordinário. Eu
não estava mais sozinha. O que vivia tornou-se quase “normal”. Não temos acesso à experiência dos outros, porém é uma fonte para novos conhecimentos”.


“O que acho mais difícil é não saber o que ele sente e perguntar-me à vezes se o que ele vive vale, assim mesmo, a pena de ser vivido. Quais são suas alegrias, suas poucas alegrias? Será que essas justificam o que temos de aguentar? Fico com ódio de mim!”.

O marido da Sra Serge está há três anos no hospital psiquiátrico. Ele passa seus dias batendo com as mãos os móveis da sala comum, até que as enfermeiras o prendam no seu assento. Ele grita durante alguns minutos e se acalma. Então, elas o libertam e ele recomeça a bater nos móveis.

Cada tarde,sua mulher vem visitá-lo. Ele a chama de “rampeira” e de“puta”. Ela fala com ele, mostra fotos e se vira para os outros pacientes, que não estão nem aí,para dizer-lhes que “antes, ele era muito gentil”. Às 5 horas, ela parte. E ela vem todo dia! “Eu não posso ficar zangada com ele. Às vezes, tenho vontade que tudo isso termine”.


Os familiares não atuam como deveriam, explica Valérie Vileu. Muitas vezes, glorifica-se o que se passa dentro de casa, mas não existe um verdadeiro olhar externo para estas tarefas. Isso pode ser uma catástrofe e, às vezes, chegar de maneira não consciente até maus tratos. “Só encontro pessoas dilaceradas”,continua a Sra Klein, “não é culpa delas”.

“O cansaço é imenso. Perto de 30 % dos “ajudantes” morrem antes do paciente. Dois dos meus pacientes que acompanhávamos ficaram psicologicamente totalmente esgotados, e com grande depressão. Entretanto,um dos dois recusava a ideia de deixar o seu cônjuge em casa de repouso”,conta Christine Marchand, psiquiatra na cidade de Pau.

Porém, alguns, sem negarem as dificuldades, conseguiram tirar desta
experiência algo que não era uma simples convivência inútil. A mulher de Jean Saurey morreu seis meses atrás. Durante vinte anos, ele a viu definhar e a acompanhou. Nos últimos tempos (ele está com 93 anos), eles ficavam em instituições separadas e ele ia vê-la todos os dias.

“Ela se mostrava ríspida e várias vezes, não aceitava o pessoal da limpeza. Eu aprendi a dar à minha mulher a possibilidade de expressar-se com meios reduzidos. Nós acabamos nos entendendo sem palavras, apenas com toques, fazendo caminhadas e desenhos. Passávamos horas e horas juntos. Não era fácil mas foi enriquecedor. Ela me ofereceu outra compreensão do que é a morte”.

Martin Galtier, dois anos depois da morte da sua mãe, reformulou sua história:

“Em seu último ano de vida, ela aceitou sua dependência. Ela se entregou. Até o fim, eu tive com ela relações de ternura que nunca tinha tido antes. Nas minhas lembranças, vejo-me segurando sua mão, passando creme no seu rosto e ela aceitando com uma ternura que jamais tinha demonstrado”.
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Sueli Aparecida Tonarque - Psicóloga, mestranda em Gerontologia pela PUCSP,
pesquisadora do tema “Envelhecimento e sua relação com o vestir”.

Email:satonarque@uol.com.br

fonte:http://portaldoenvelhecimento.org.br/noticias/cursos/treino-de-memoria-para-idosos.html

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