A princípio, ser filha e cuidadora do meu pai não foi fácil, nem para mim nem para ele, mas com o passar do tempo a nova situação foi se tornando aceitável. Com o tempo foram criadas estratégias para lidar melhor com esta nova etapa.
Elizania Machado Teixeira (*)
Com o avanço crescente da população idosa e cada vez mais longeva, aumentam os casos de doenças crônicas relacionadas à idade avançada, uma dessas é a Doença de Parkinson, neurodegenerativa, que apresenta como principais sintomas bradicinesia, tremor de repouso, rigidez e instabilidade postural.¹ ³ Hoje, entre a população mundial, cerca de 10 milhões de pessoas são acometidas por esta doença, sendo sua prevalência em idosos com mais de 80 anos.2 6 Meu pai, hoje com 80 anos, faz parte desta estatística, mas a doença começou a dar sinais há 11 anos com sintomas leves.
Nestes dois últimos meses a Doença de Parkinson se agravou evoluindo para o estágio 4, com maior rigidez, aumento dos tremores e intensificação dos períodos de agressividade por não aceitar seu estado físico. Sua função cognitiva se mantém intacta, aumentando seu sofrimento e de toda a família. Ele tem passado maior parte do tempo deitado, pois comenta que os sintomas diminuem pelo fato de se sentir mais relaxado, mas esta situação vem aumentando sua tristeza, levando-o a um quadro leve de depressão da qual não temos força o suficiente para ajudá-lo, pois depende muito mais dele do que de nós. A cada dia que passa é mais difícil, pois vemos que a doença está vencendo esta batalha, independente de todos os esforços despendidos.
Doença de Parkinson: 5 Estágios
A Doença de Parkinson está classificada em 5 estágios. De 1 a 3, é considerada grau leve a moderada e de 4 a 5, grau grave. Estes estágios são classificados por meio da Escala de graus de Incapacidade de Hoehn e Yahr.
O estágio 1 é conhecido como unilateral, é a fase inicial da doença, apresentando sintomas leves em apenas um dos lados do corpo. No estágio 2 os sintomas passam a ser bilaterais, dificultando a realização das tarefas simples do dia a dia. No estágio 3 pode se observar a instabilidade postural moderada, mostrando a gravidade da doença, e pode acontecer de a pessoa já não conseguir andar em linha reta ou até mesmo não conseguir mais ficar em pé sozinha. No estágio 4 observa-se a instabilidade postural grave, fase em que já começa a apresentar os sintomas mais graves da doença, muitas vezes impossibilitando a pessoa de realizar qualquer atividade sozinha. E, finalmente, o estágio 5, último estágio da doença, considerado o mais severo; neste a pessoa deve ficar 24 horas acompanhada, pois já não consegue realizar nenhuma atividade sozinha, nem mesmo ficar em pé. 4 5
Pelo fato da Doença de Parkinson não ter cura até o momento, o tratamento serve apenas para controlar os sintomas, com o objetivo da pessoa levar uma vida na qual tenha mais autonomia.¹
Atualmente existem muitas medicações que são utilizadas para esta doença, a mais utilizada é o Levodopa + Cloridrato de Benserazida, seu nome comercial é Prolopa, além de existir também a cirurgia funcional que é feita através de eletrochoques, mas não é indicada para todos os casos.
Nestes últimos 11 anos já foram testadas em meu pai muitas medicações que não apresentaram resultados satisfatórios. Hoje ele faz uso de duas medicações específicas para o Parkinson, além de medicações para depressão, ansiedade e insônia. Com o agravamento da doença o neurologista que o acompanha introduziu uma medicação que é nova para doentes com Parkinson e ainda está em estudos, mas que no caso dele tem apresentado resultados positivos. Foi somada às outras medicações, o Óleo de Canabidiol (CBD) – medicação extraída principalmente das flores da planta Canabis Sativa, popularmente conhecida como maconha. Vale lembrar que o uso terapêutico do CDB é liberado no Brasil, tendo que seguir critérios da ANVISA e acompanhamento médico.7
Os custos desta medicação no Brasil ainda são exorbitantes, fazendo-se necessário a importação da mesma. Esta medicação age em sistemas neurais e endocanabinóides, presentes no nosso organismo.8 Por ser natural leva um tempo para que seus efeitos possam ser observados, aumentando ainda mais a ansiedade de todos os envolvidos.
As medicações são administradas durante o dia todo em um curto espaço de tempo, causando insatisfação a ele, principalmente por apresentar uma melhora sútil dos sintomas.
Como nestes últimos meses o quadro se agravou, se fez necessária a presença de uma pessoa que se responsabilizasse só por ele, incluindo todos os cuidados, pois minha mãe, que até então era quem o cuidava, não estava mais conseguindo lidar com tudo que envolve a doença. Foi então que assumi esta responsabilidade.
Quando uma pessoa da família assume o posto de cuidador, isto é definido como cuidador familiar, um cuidador que não apresenta os conhecimentos técnicos e científicos.9 Esta situação é bem conflitante, pois a cuidadora que até então era apenas filha passa a ter que enxergá-lo com outros olhos, pois ali não está apenas seu pai, mas como enfermeira o vejo também como um doente que precisa de cuidados e estes afetam diretamente o íntimo da pessoa a ser cuidada. O fato de dar um banho ou trocar uma fralda violam a privacidade da pessoa em questão, pois os papéis passam a se inverter. Quem a vida toda foi provedor e responsável pela família, passa a ter que ser cuidado por esta.
A princípio não foi fácil para as duas partes essa inversão de papéis, mas com o passar do tempo a nova situação foi se tornando aceitável. Com o tempo foram criadas estratégias para lidar melhor com esta nova etapa. Os cuidados realizados foram sendo aprimorados, transformando-se em uma rotina.
Os medos e as preocupações com relação a este complexo processo foram dando lugar a segurança. Com tudo, esta transição não é fácil, muitos cuidadores podem apresentar diversos sentimentos desesperadores que culminam com a nova realidade, sendo necessário um apoio, que muitas vezes não existe, tornando a transição ainda mais difícil.10
Nova rotina de cuidado
Além de todas estas adversidades, como uma nova dinâmica em sua vida, mudando suas perspectivas, planos, sonhos, expectativas, tendo que se entregar inteiramente a esta nova situação. O desgaste físico, psíquico e emocional passa a fazer parte de seu dia a dia, sua vida é praticamente absorvida por essa nova rotina.
Esta atual situação é encarada de diferentes formas por cada cuidador. Algumas pessoas têm maior facilidade no lidar e outros não, levando a uma maior sobrecarga. A relação estabelecida anteriormente por doente e cuidador também define a forma de cuidado, quanto mais próxima a relação anterior ao acometimento da doença mais fácil será para desenvolver esse cuidado, bem como sendo o contrário um fato real, quanto maior o distanciamento anterior, mais dificultoso será o cuidar.11
Não podemos deixar de notar que este novo estilo de vida será experimentado por todos. Essas experiências trazem ao cuidador muitos pontos positivos, mas vem acompanhadas de diversos pontos negativos em se tratando do cuidador como pessoa integrante de uma sociedade e estes pontos na maioria das vezes sobrepõem os positivos, pois o cuidador não tem uma rede de apoio, na qual possa se amparar, pois na maioria dos casos ele não tem ninguém para dividir esta tarefa.
O seu autocuidado é negligenciado, deixando-se de lado e colocando o doente em primeiro lugar. Neste momento a situação do cuidador por se tornar de risco, pois para cuidar de alguém esta pessoa deve estar com corpo e mente sãs e não podemos deixar de citar as dificuldades com este autocuidado, porque para que ele o realize, precisará que alguém assuma o papel momentâneo de cuidador, o que não é fácil de ser realizado em muitos casos, levando esse cuidador a um desgaste integral.
Vimos que ser cuidador familiar não é tarefa fácil por diversas questões. A dificuldade de substituição do cuidador por outro membro da família, mesmo por um curto espaço de tempo também não é uma tarefa fácil de ser realizada, pois muitos não têm esse suporte familiar, sobrecarregando física e emocionalmente o cuidador, o qual pode apresentar inclusive doenças físicas e psíquicas. Assim, por mais difícil que seja esta situação, o cuidador precisa de um tempo no qual consiga desenvolver alguma atividade em seu benefício, para assim cuidar melhor de quem cuida.
Termino citando uma frase de Ana Claudia Quintana Arantes, que diz assim:
Às vezes não temos escolha. Às vezes, é a pessoa que amamos que está morrendo, e passaremos do nosso limite. Só que, para dar conta de estar presente, teremos que atentar primeiro para nós mesmos.”
Referências
1 – FREITAS E V, PY L. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 4º ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2016.
2 – FLORIANO L A, AZEVEDO R C S, REINERS A A O, SUDRÉ M R S. Cuidado realizado pelo cuidador familiar ao idoso dependente, em domicílio, no contexto da estratégia de saúde da família. Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2012, Jul-Set; 21(3): 543-8.
3 – SOUZA C F M, ALMEIDA H C P, SOUSA J B, COSTA P H, SILVEIRA Y S S, BEZERRA J C. A Doença de Parkinson e o Processo de Envelhecimento Motor: Uma Revisão de Literatura. Rev Neurocienc 2011;19(4):718-723.
4 – Escala de avaliação da Doença de Parkinson. Disponível em: https://vibrarcomparkinson.com.br/estagios-eescalas/#:~: text=Amplamente%20utilizada%20desde%20a%20d%C3%A9cada, como%20base%20os%20sintomas%20motores. Acessado em: 11/07/2020.
5 – SILVA F S, PABIS J V P C, ALENCAR A G, SILVA K B, PETERNELLA F M N. Evolução da doença de Parkinson e comprometimento da qualidade de vida. Rev Neurocienc 2010;18(4):463-468.
6 – SILVA T P, CARVALHO C R A. Doença de Parkinson: o tratamento terapêutico ocupacional na perspectiva dos profissionais e dos idosos. Cad. Bras. Ter. Ocup., São Carlos, v. 27, n. 2, p. 331-344, 2019
7 – Uso medicinal do canabidiol. Revista do Farmacêutico – SET – OUT – NOV/2018. Disponível em: https://www.crfsp.org.br/images/stories/revista/rf135/rf135.pdf Acessado em: 10/06/20.
8 – SANTOS A B, SCHERF J R, MENDES R C. Eficácia do canabidiol no tratamento de convulsões e doenças do sistema nervoso central: revisão sistemática. Acta Brasiliensis 3(1): 30-34, 2019.
9 – MACHADO A L G, FREITAS C H A, JORGE M S B. O fazer do cuidador familiar: significados e crenças. Rev Bras Enferm, Brasília 2007 set-out; 60(5): 530-4
10 – FERNANDES C S, ANGELO M. Cuidadores familiares: o que eles necessitam? Uma revisão integrativa. Rev Esc Enferm USP · 2016;50(4):675-682
11 – FONSECA N R, PENNA A F G, SOARES M P G. Ser cuidador familiar: um estudo sobre as conseqüências de assumir este papel. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 18 [ 4 ]: 727-743, 2008.
(*) Elizania Machado Teixeira – Graduada em Enfermagem, pela Universidade Guarulhos, Pós Graduanda em Gerontologia e Interdisciplinaridade, pelo Centro Universitário São Camilo; Pós Graduada em Urgência e Emergência em Saúde, pela Universidade Guarulhos. Trabalho escrito no curso de extensão em Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) no primeiro semestre de 2020. E-mail: elizania_teixeira@hotmail.com
Redação Portal do Envelhecimento
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