Nas redes, cuidadores se fortalecem e encontram apoio para enfrentar os desafios da rotina de trabalho
É comum um misto de sentimentos invadir o dia a dia de
alguém que lida com um paciente com Alzheimer.
A
dedicação e o amor de quem cuida muitas vezes cedem
lugar a angústia, solidão e cansaço. E, se isso ocorre em
situações normais com frequência, com a epidemia de
coronavírus esses sentimentos contraditórios vieram à tona com
maior intensidade, por causa do isolamento social.
“Precisamos contextualizar, porque este momento pelo qual
passamos é muito singular.” Quem faz essa avaliação é Bruno
César Boisson, gestor da Rede Cuidadores do Estado do Rio de
Janeiro, grupo formado há oito anos para dar voz ao cuidador e
articular ações para a regulamentação da profissão.
Segundo ele, o cuidador de uma pessoa com Alzheimer, seja ele
profissional ou familiar, sofre, normalmente, com ansiedade e
angústia, mas nem sempre encontra o apoio ou o acolhimento
de que precisa para enfrentar essas demandas. “A pandemia
acirrou essa situação. Um idoso que tem o hábito de sair para
a rua muitas vezes não compreende por que precisa ficar
confinado, ele quer sair de casa. Estamos vivendo um momento
sem precedentes, em que o cuidador tem dificuldades extras”,
diz Boisson, pós-graduado em gerontologia pela Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Outras questões que eclodiram entre os cuidadores com o
surto do coronavírus: muitos profissionais foram dispensados
de suas funções pelas famílias, que temiam a contaminação
de seus idosos. Outros tiveram que se mudar para a casa
de quem cuidavam, para diminuir a circulação e o risco de
contágio. “Isso trouxe novos desafios, que exigem muita
atenção”, afirma Boisson.
As redes sociais, mais do que nunca, têm cumprido o papel
de acolher cuidadores para a troca dessas experiências, para a
escuta de relatos de dificuldades e busca de apoio.
Marta Fontenele, doutoranda em gerontologia pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que muitos cuidadores
se unem nas redes pela dor e pela falta de suporte.
No decorrer de sua pesquisa sobre o envelhecimento, Marta
criou no Facebook, em 2018, um canal chamado Escola de
Cuidados.
A proposta teve por objetivo facilitar, para fins
de pesquisa, sua interação com pessoas que cuidam, com o
objetivo de compreender melhor seus anseios e necessidades.
Segundo conta, em pouco tempo a rede cresceu e se ampliou
de forma espantosa, apontando para a necessidade e a
importância desse contato, ainda que virtual, entre cuidadores.
“Percebi que toquei em algo que estava adormecido,
represado. Muitas pessoas se manifestaram – a maioria,
mulheres, fechadas, em suas casas, cuidando do marido, da mãe, do pai, sem ter com quem trocar uma ideia sequer”, diz.
Com um olhar especial para esse público, Marta baseia seu
estudo no conceito da geratividade (teoria cunhada pelo
psicanalista Erik Erikson, que fala sobre adultos que se dispõem
a cuidar de outros adultos).
Ela relatou que, por meio da Escola
de Cuidados, os cuidadores demonstraram ter pouca rede de
proteção e apoio para suas demandas pessoais e mesmo para
questões relativas à função que exercem.
“Vejo que muitos
buscam resolver dúvidas, sobre como dar banho no idoso, por
exemplo, algo que pode até parecer básico”, conta. No geral, o
que Marta notou foi muita carência de informação e, também,
de atenção. “É a invisibilidade que torna essas pessoas ainda
mais carentes”, lamenta.
Observando a rede, ela percebeu que muitos dos integrantes
só precisam mesmo ser escutados de forma humanizada, a fim
de saírem de sua invisibilidade.
“A sociedade isola o cuidador”,
diz a pesquisadora. No seu entender, isso ocorre porque
vivemos em uma sociedade extremamente individualista, que
não interage com o problema do outro.
“O idoso que precisa
de cuidado é um problema exclusivo daquela família, poucos
querem se envolver, acolher”, aponta.
Foi exatamente isso que sentiu Berna Almeida, de Brasília,
quando sua mãe adoeceu com Alzheimer. Ela ficou à frente dos
cuidados, sozinha.
Sentiu falta de apoio muitas vezes – tanto
por parte da família quanto da sociedade e do poder público.
Pensando nisso, criou, assim que sua mãe partiu, em 2012, o
site Instituto Berna Almeida (www.institutobernalmeida.com.
br), com página no Facebook e no Instagram.
“Procuro passar para o cuidador tudo o que eu não tive,
especialmente o apoio psicológico”, afirma. “Mas vou além,
partilhando a dificuldade no cuidar e tentando solucionar
problemas financeiros que muitas vezes acabam sendo um
empecilho no cuidado adequado, pois falta dinheiro para
equipamentos, fraldas, entre outros itens.”
Ela expandiu a atenção, indo além do Alzheimer e das
demências. O site Instituto Berna Almeida busca atender
às necessidades de familiares e cuidadores de pessoas com
doenças degenerativas. O foco maior está no cuidador
informal.
Quase diariamente, Berna coloca na página, que está
presente no Facebook, informações sobre Alzheimer e outras
doenças que se encaixam no perfil.
Com a pandemia, afirma, a procura pela troca de experiências
e também por apoio cresceu muito.
“A rede social tem uma
importância enorme para quem está dedicando tempo e
atenção para alguém nessa situação”, acredita. “Onde mais
procurar ajuda, encontrar espaço para desabafar?”
Ausência de políticas públicas
agrava isolamento
Nos Estados Unidos, um relatório do Internet & American
Life Project, do Pew Research Center, apontou que 52% dos
cuidadores com acesso a tecnologia afirmam que os recursos
on-line são úteis para lidar com o estresse.
Conhecer as
experiências de outros cuidadores ajuda a garantir que as
pessoas não estejam sozinhas, segundo os entrevistados.
Uma causa desse isolamento é decorrente das características
próprias da função.
“O cuidar ocupa todo o cotidiano de quem
cuida. O fato de a pessoa ser um cuidador reforça a possibilidade
de ela ser isolada”, afirma Marta. Ela destaca que isso poderia ser
diferente se as famílias e a sociedade fossem mais solidárias.
“Se
o cuidador não criar estratégias para que não se sobrecarregue
nem tenha uma jornada extremamente exaustiva, ele acaba por
se isolar, por falta de tempo, e pode adoecer”, ressalta.
A falta de políticas públicas para o cuidador também colabora
muito para o seu isolamento, na opinião de Marta.
“No Brasil,
uma família com idosos implora por atenção. Precisamos tirar
a invisibilidade dessas famílias e dos cuidadores, para que o
Estado crie políticas públicas para essa situação”, afirma.
Na
visão da pesquisadora, o Brasil precisaria ter uma atenção
especial para os idosos e seus cuidadores, sobretudo neste
momento de pandemia. “Isso deveria ocorrer até para evitar
um agravamento das doenças”, pondera.
Nesse contexto, as redes sociais se tornam vitais. “Apesar
da distância física, as redes trazem o contato humano. Elas
conseguem transmitir afeto, conhecimento, ciência. Nessa fase,
como estaríamos vivendo sem as redes sociais? Com certeza,
com muito mais dificuldade”, diz.
Em 2018, Marta criou uma associação de cuidadores para
atender o público das regiões de Valinhos e Vinhedo,
municípios próximos a Campinas, onde reside.
“O maior desafio
da associação é ter um cuidador envolvido, porque ele vive
uma vida complicada, com plantões. Sobra pouco tempo para
se engajar em uma associação – isso mostra o quanto a rotina
dessa pessoa é exaustiva”, exemplifica.
Berna Almeida também percebe, através de seus contatos
na rede, como os cuidadores estão sobrecarregados. Para
tentar aliviá-los, na falta de outro lugar onde possam procurar
apoio, ela criou alguns projetos dentro do site do instituto.
Um
deles é o Projeto Conte Comigo. “Temos voluntários que se
prontificam a substituir o cuidador informal quando ele precisa
ir a uma consulta ou sair do ambiente por algumas horas para
simplesmente descansar.”
Esse esquema tem funcionado em Brasília e trazido alívio para
algumas situações de estresse.
Para resolver outras questões,
como a dificuldade em adquirir fraldas, por exemplo, ela
criou uma rede de ajuda, que funciona na base de doações.
No Facebook, para familiares e cuidadores de Alzheimer se
apoiarem, Berna Almeida abriu o grupo Um Sujeito chamado
Alzheimer, com mais de 40 mil pessoas.
Muito ativo, o
grupo também cresceu durante os meses de pandemia.
“O confinamento trouxe problemas novos, pois as pessoas
estão mais presas em casa. Isso criou uma série de situações
inusitadas, para as quais muitos não estão preparados”, conta.
Segurança e responsabilidade
na informação compartilhada
É claro que a informação que circula também pode causar
problema. E é preciso estar atento e preparado para esclarecer
com precisão qualquer dúvida ou dissipar polêmicas,
especialmente no tocante a medicações.
Boisson cita alguns casos recentes, vivenciados por causa do
coronavírus. “Há muitos vídeos e áudios circulando, vários sobre
medicações, e nem todos trazem informações confiáveis.
São, no
mínimo, discutíveis”, relata. Em seus grupos de apoio (além do
Facebook ele mantém um grupo de WhatsApp com cuidadores),
procura esclarecer todas as dúvidas. Toda informação, de sua
parte, aliás, é sempre checada antes de ser publicada em rede
social.
“Na minha rede de contatos, conto também com pessoas
que respondem a questionamentos nesse sentido, como
fonoaudiólogo, médico, educador físico. Procuro manter todos
os envolvidos bem informados, com segurança”, explica.
Berna Almeida também tem um grupo com cuidadores
no WhatsApp, por considerar o aplicativo um canal mais
humanizado.
Como Boisson, Berna garante que seleciona bem
as informações a serem compartilhadas. Se há novidades,
também coloca especialistas para falar sobre o tema, a fim de
evitar problemas e mal-entendidos. Para questões de cunho
emocional, ela conta com o apoio de uma psicóloga.
Em tempos de pandemia, tanto ela como Boisson têm
investido ainda em lives, com grupos menores, para tratar de
assuntos mais específicos. “Esse formato permite o debate, cria
mais possibilidades de aprendizagem e acaba por conferir mais
segurança para quem cuida”, acredita Boisson.
obs. conteúdo meramente informativo procure seu médico
abs
Carla
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