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sexta-feira, 9 de abril de 2021

MELHOR IDADADE: Acolhimento e informações na web



Nas redes, cuidadores se fortalecem e encontram apoio para enfrentar os desafios da rotina de trabalho


É comum um misto de sentimentos invadir o dia a dia de alguém que lida com um paciente com Alzheimer. 

A dedicação e o amor de quem cuida muitas vezes cedem lugar a angústia, solidão e cansaço. E, se isso ocorre em situações normais com frequência, com a epidemia de coronavírus esses sentimentos contraditórios vieram à tona com maior intensidade, por causa do isolamento social. 

“Precisamos contextualizar, porque este momento pelo qual passamos é muito singular.” Quem faz essa avaliação é Bruno César Boisson, gestor da Rede Cuidadores do Estado do Rio de Janeiro, grupo formado há oito anos para dar voz ao cuidador e articular ações para a regulamentação da profissão. Segundo ele, o cuidador de uma pessoa com Alzheimer, seja ele profissional ou familiar, sofre, normalmente, com ansiedade e angústia, mas nem sempre encontra o apoio ou o acolhimento de que precisa para enfrentar essas demandas. “A pandemia acirrou essa situação. Um idoso que tem o hábito de sair para a rua muitas vezes não compreende por que precisa ficar confinado, ele quer sair de casa. Estamos vivendo um momento sem precedentes, em que o cuidador tem dificuldades extras”, diz Boisson, pós-graduado em gerontologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). 

Outras questões que eclodiram entre os cuidadores com o surto do coronavírus: muitos profissionais foram dispensados de suas funções pelas famílias, que temiam a contaminação de seus idosos. Outros tiveram que se mudar para a casa de quem cuidavam, para diminuir a circulação e o risco de contágio. “Isso trouxe novos desafios, que exigem muita atenção”, afirma Boisson. 

As redes sociais, mais do que nunca, têm cumprido o papel de acolher cuidadores para a troca dessas experiências, para a escuta de relatos de dificuldades e busca de apoio. Marta Fontenele, doutoranda em gerontologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que muitos cuidadores se unem nas redes pela dor e pela falta de suporte. No decorrer de sua pesquisa sobre o envelhecimento, Marta criou no Facebook, em 2018, um canal chamado Escola de Cuidados. 

A proposta teve por objetivo facilitar, para fins de pesquisa, sua interação com pessoas que cuidam, com o objetivo de compreender melhor seus anseios e necessidades. Segundo conta, em pouco tempo a rede cresceu e se ampliou de forma espantosa, apontando para a necessidade e a importância desse contato, ainda que virtual, entre cuidadores. 

“Percebi que toquei em algo que estava adormecido, represado. Muitas pessoas se manifestaram – a maioria, mulheres, fechadas, em suas casas, cuidando do marido, da mãe, do pai, sem ter com quem trocar uma ideia sequer”, diz. 

Com um olhar especial para esse público, Marta baseia seu estudo no conceito da geratividade (teoria cunhada pelo psicanalista Erik Erikson, que fala sobre adultos que se dispõem a cuidar de outros adultos). 

Ela relatou que, por meio da Escola de Cuidados, os cuidadores demonstraram ter pouca rede de proteção e apoio para suas demandas pessoais e mesmo para questões relativas à função que exercem. 

“Vejo que muitos buscam resolver dúvidas, sobre como dar banho no idoso, por exemplo, algo que pode até parecer básico”, conta. No geral, o que Marta notou foi muita carência de informação e, também, de atenção. “É a invisibilidade que torna essas pessoas ainda mais carentes”, lamenta. 

Observando a rede, ela percebeu que muitos dos integrantes só precisam mesmo ser escutados de forma humanizada, a fim de saírem de sua invisibilidade. 

“A sociedade isola o cuidador”, diz a pesquisadora. No seu entender, isso ocorre porque vivemos em uma sociedade extremamente individualista, que não interage com o problema do outro. 

“O idoso que precisa de cuidado é um problema exclusivo daquela família, poucos querem se envolver, acolher”, aponta. Foi exatamente isso que sentiu Berna Almeida, de Brasília, quando sua mãe adoeceu com Alzheimer. Ela ficou à frente dos cuidados, sozinha. 

Sentiu falta de apoio muitas vezes – tanto por parte da família quanto da sociedade e do poder público. Pensando nisso, criou, assim que sua mãe partiu, em 2012, o site Instituto Berna Almeida (www.institutobernalmeida.com. br), com página no Facebook e no Instagram. 

“Procuro passar para o cuidador tudo o que eu não tive, especialmente o apoio psicológico”, afirma. “Mas vou além, partilhando a dificuldade no cuidar e tentando solucionar problemas financeiros que muitas vezes acabam sendo um empecilho no cuidado adequado, pois falta dinheiro para equipamentos, fraldas, entre outros itens.” 

Ela expandiu a atenção, indo além do Alzheimer e das demências. O site Instituto Berna Almeida busca atender às necessidades de familiares e cuidadores de pessoas com doenças degenerativas. O foco maior está no cuidador informal. 

Quase diariamente, Berna coloca na página, que está presente no Facebook, informações sobre Alzheimer e outras doenças que se encaixam no perfil. Com a pandemia, afirma, a procura pela troca de experiências e também por apoio cresceu muito. 

“A rede social tem uma importância enorme para quem está dedicando tempo e atenção para alguém nessa situação”, acredita. “Onde mais procurar ajuda, encontrar espaço para desabafar?”


Ausência de políticas públicas agrava isolamento Nos Estados Unidos, um relatório do Internet & American Life Project, do Pew Research Center, apontou que 52% dos cuidadores com acesso a tecnologia afirmam que os recursos on-line são úteis para lidar com o estresse. 

Conhecer as experiências de outros cuidadores ajuda a garantir que as pessoas não estejam sozinhas, segundo os entrevistados. Uma causa desse isolamento é decorrente das características próprias da função. 

“O cuidar ocupa todo o cotidiano de quem cuida. O fato de a pessoa ser um cuidador reforça a possibilidade de ela ser isolada”, afirma Marta. Ela destaca que isso poderia ser diferente se as famílias e a sociedade fossem mais solidárias. 

“Se o cuidador não criar estratégias para que não se sobrecarregue nem tenha uma jornada extremamente exaustiva, ele acaba por se isolar, por falta de tempo, e pode adoecer”, ressalta. 

A falta de políticas públicas para o cuidador também colabora muito para o seu isolamento, na opinião de Marta. 

“No Brasil, uma família com idosos implora por atenção. Precisamos tirar a invisibilidade dessas famílias e dos cuidadores, para que o Estado crie políticas públicas para essa situação”, afirma. 

Na visão da pesquisadora, o Brasil precisaria ter uma atenção especial para os idosos e seus cuidadores, sobretudo neste momento de pandemia. “Isso deveria ocorrer até para evitar um agravamento das doenças”, pondera.

Nesse contexto, as redes sociais se tornam vitais. “Apesar da distância física, as redes trazem o contato humano. Elas conseguem transmitir afeto, conhecimento, ciência. Nessa fase, como estaríamos vivendo sem as redes sociais? Com certeza, com muito mais dificuldade”, diz. 

Em 2018, Marta criou uma associação de cuidadores para atender o público das regiões de Valinhos e Vinhedo, municípios próximos a Campinas, onde reside. 

“O maior desafio da associação é ter um cuidador envolvido, porque ele vive uma vida complicada, com plantões. Sobra pouco tempo para se engajar em uma associação – isso mostra o quanto a rotina dessa pessoa é exaustiva”, exemplifica.

Berna Almeida também percebe, através de seus contatos na rede, como os cuidadores estão sobrecarregados. Para tentar aliviá-los, na falta de outro lugar onde possam procurar apoio, ela criou alguns projetos dentro do site do instituto. 

Um deles é o Projeto Conte Comigo. “Temos voluntários que se prontificam a substituir o cuidador informal quando ele precisa ir a uma consulta ou sair do ambiente por algumas horas para simplesmente descansar.” Esse esquema tem funcionado em Brasília e trazido alívio para algumas situações de estresse. 

Para resolver outras questões, como a dificuldade em adquirir fraldas, por exemplo, ela criou uma rede de ajuda, que funciona na base de doações. No Facebook, para familiares e cuidadores de Alzheimer se apoiarem, Berna Almeida abriu o grupo Um Sujeito chamado Alzheimer, com mais de 40 mil pessoas. 

Muito ativo, o grupo também cresceu durante os meses de pandemia. “O confinamento trouxe problemas novos, pois as pessoas estão mais presas em casa. Isso criou uma série de situações inusitadas, para as quais muitos não estão preparados”, conta. 

Segurança e responsabilidade na informação compartilhada É claro que a informação que circula também pode causar problema. E é preciso estar atento e preparado para esclarecer com precisão qualquer dúvida ou dissipar polêmicas, especialmente no tocante a medicações. Boisson cita alguns casos recentes, vivenciados por causa do coronavírus. “Há muitos vídeos e áudios circulando, vários sobre medicações, e nem todos trazem informações confiáveis. 

São, no mínimo, discutíveis”, relata. Em seus grupos de apoio (além do Facebook ele mantém um grupo de WhatsApp com cuidadores), procura esclarecer todas as dúvidas. Toda informação, de sua parte, aliás, é sempre checada antes de ser publicada em rede social. 

“Na minha rede de contatos, conto também com pessoas que respondem a questionamentos nesse sentido, como fonoaudiólogo, médico, educador físico. Procuro manter todos os envolvidos bem informados, com segurança”, explica. Berna Almeida também tem um grupo com cuidadores no WhatsApp, por considerar o aplicativo um canal mais humanizado. 

Como Boisson, Berna garante que seleciona bem as informações a serem compartilhadas. Se há novidades, também coloca especialistas para falar sobre o tema, a fim de evitar problemas e mal-entendidos. Para questões de cunho emocional, ela conta com o apoio de uma psicóloga. 

Em tempos de pandemia, tanto ela como Boisson têm investido ainda em lives, com grupos menores, para tratar de assuntos mais específicos. “Esse formato permite o debate, cria mais possibilidades de aprendizagem e acaba por conferir mais segurança para quem cuida”, acredita Boisson.

 


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abs

Carla

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