Criado: Quinta, 13 Julho 2017 16:13
DO "NEW YORK TIMES"
Uma nova era na medicina foi aberta nesta quarta-feira (12). Um
painel da FDA (agência americana que regula medicamentos) recomendou, de
forma unânime, a aprovação do primeiro tratamento que altera as células
do paciente para combate a leucemia.
Segundo os cientistas, o processo transforma as células da pessoa em
"drogas vivas" que potencializam o sistema imunológico contra a doença.
Caso a FDA aceite a recomendação, o que é provável, o tratamento se
tornará a primeira terapia gênica do mercado, com outras possíveis a
caminho.
Há décadas pesquisadores e indústrias farmacêuticas buscam esse tipo
de terapia. Agora, a Novartis provavelmente será a primeira, ao mesmo
tempo em que trabalha em tratamentos similares para vários tipos de
melanomas e para cânceres agressivos de cérebro.
Para a utilização da técnica, um tratamento paralelo precisa ser
criado para cada paciente. As células da pessoa precisam ser removidas
em um centro médico autorizado, enviadas para a Novartis para
descongelamento e processamento, congeladas de novo e enviadas de volta
ao centro de tratamento.
Com uma única dose do produto resultante, já foram observadas
remissões e até possíveis curas em estudos com pacientes que se
aproximavam da morte após tentarem todos os tratamentos disponíveis.
O painel recomendou a aprovação da terapia para a leucemia linfoide
aguda, que costuma ser resistente ao tratamento em crianças e adultos
entre três e 25 anos.
Emily Whitehead, 12, primeira criança a receber as células
potencializadas, estava presente com seus pais na reunião do painel para
defender a aprovação da droga que salvou sua vida.
Em 2012, então com seis anos, Emily recebeu o tratamento em um estudo
desenvolvido no Children's Hospital of Philadelphia. Os efeitos
colaterais –febres agressivas, problemas de pressão sanguínea e nos
pulmões– quase a mataram, mas, no final, ela conseguiu se livrar do
câncer.
"Acreditamos que, quando aprovado, este tratamento salvará milhares
de crianças", disse ao painel Tom Whitehead, pai de Emily. "Eu espero
que um dia todos vocês possam falar a suas famílias, geração após
geração, que fizeram parte do processo que acabou com o uso padrão de
tratamentos tóxicos, como quimioterapia e radiação. Que foram vocês os
responsáveis por transformar cânceres em uma doença tratável."
Na reunião, os especialistas do painel não questionaram o potencial
do tratamento em casos em que não há mais esperança de cura. As
preocupações se concentraram nos possíveis mortais efeitos colaterais
–no curto prazo, as reações agudas como as sofridas por Emily; no longo
prazo, a possibilidade das células injetadas causarem, anos depois,
tumores secundários.
Até o momento, esses problemas mais longínquos não foram detectados,
mas também não se passou tempo suficiente para considerá-los carta fora
do baralho.
Don McMahon, outro pai presente na reunião, descreveu os exaustivos
12 anos de leucemia de seu filho, Connor. A doença se iniciou quando o
garoto tinha três anos.
O pai de Connor mostrou fotos do garoto careca e entubado durante o
tratamento, e afirmou que a quimioterapia tinha deixado seu filho
estéril.
Há um ano, os pais de Connor se preparavam para um transplante de
medula óssea quando descobriram o tratamento com células T. O garoto,
então, começou a terapia na Universidade Duke, nos EUA.
Hoje, Connor já voltou a jogar hockey.
McMahon pediu para o painel aprovar a terapia e afirmou que,
comparado ao tratamento padrão –que requer várias punções lombares e
dolorosos testes de medula óssea–, os cuidados com as células T são
muito mais toleráveis.
O tratamento foi desenvolvido por pesquisadores da Universidade da Pennsylvania e licenciado pela Novartis.
De toda forma, a terapia não será amplamente utilizada logo de
início. A doença não é comum, afetando somente 5.000 pessoas por ano,
dos quais 60% são crianças ou jovens adultos.
A maior parte das crianças é curada com o tratamento padrão, mas em
15% dos casos –como nos de Emily e Connor– a doença não responde à
terapia ou acaba retornando.
Segundo especialistas, esses tratamentos individualizados podem
custar mais US$300 mil. A Novartis se recusou a especificar o preço da
terapia.
Considerando a complexidade do tratamento e necessidade de uma equipe
especializada para controle dos efeitos colaterais, a Novartis,
inicialmente, irá limitar a terapia a 30 ou 35 centros médicos, nos
quais já há pessoal treinado para aplicação do processo.
"Após a aprovação do CTL019 [nome do tratamento], caberá aos centros
médicos aceitar ou não pacientes estrangeiros. Estamos trabalhando para
levar o CTL019 outros países", disse, por e-mail. um representante da
Novartis. A farmacêutica também afirmou que ainda este ano iniciará o
processo de regulamentação da terapia na União Europeia.
Para o tratamento, é necessário remover milhões de células T dos
pacientes e modificá-las com engenheira genética para que consigam matar
células cancerígenas.
A técnica se utiliza de uma forma inativa de HIV, o vírus causador da
Aids, para implantar material genético dentro das células T,
reprogramando-as.
Essa recauchutagem potencializa o ataque de células T contra células
B, uma parte normal do sistema imunológico que, na leucemia, torna-se
maligna. As células T alteradas recebem a proteína CD-19, encontrada na
superfície da maior parte das células B.
Então, as céluas T recauchutadas são colocadas de voltas na corrente
sanguínea dos pacientes, onde elas se multiplicarão e começarão a
combater o câncer.
Carl June, líder da equipe da Universidade da Pennsylvania que
desenvolveu o tratamento, chama as células reprogramadas de "assassinas
em série". Uma única seria capaz de destruir 100 mil células
cancerígenas.
Em alguns estudos, a engenharia genética celular demorou quatro
meses, o que impediu o uso da terapia, pois os pacientes estavam tão
doentes que morreram antes de receber as células de volta.
Na reunião do painel da FDA, a Novartis afirmou que atualmente esse
tempo foi reduzido para 22 dias. Segundo a farmacêutica, quando a
terapia for utilizada em maior escala, códigos de barras e outros
procedimentos podem ser usados para evitar que amostras se misturem.
Fonte: Folha de S.Paulo
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