Portal do Envelhecimento
13/08/2019
O aumento da expectativa de vida é um fator importante a se considerar quando pensamos nos cuidados dos idosos. Por um lado, vemos cada vez mais pessoas envelhecendo mais saudáveis, e por outro, vemos pessoas envelhecendo muito mais do que esperavam. Este último aspecto pode ser muito desorganizador, tanto para o idoso quanto para aqueles próximos de si e seu meio.
Beatriz Leite Machado (*)
O envelhecimento da população mundial já é um fato bastante conhecido. As mudanças que este fenômeno tem trazido, por outro lado, ainda estão sendo (re)conhecidas e sentidas. A própria imagem do que é ser velho hoje, apresenta-se de forma mais diversa e fluída do que há cerca de vinte anos. As mudanças demográficas afetam as organizações sociais, igualmente pelo viés econômico e político, como pelo relacional e afetivo; no macro e no micro.
O aumento do número de idosos no mundo coloca em evidência a questão do cuidado. Historicamente, mesmo nas culturas que preservam um lugar de sábio ao velho, o cuidado dos mais velhos era dado como responsabilidade da mulher, que era a cuidadora principal em todas as situações. A mulher conquistou maior independência e autonomia e, com frequência, precisa suprir múltiplos papéis dentro de seu núcleo familiar. Para o cuidado das crianças, se encontra soluções com facilidade, e uma delas é deixa-las sob a responsabilidade dos mais velhos, os avós. E quando os avós precisam de tanto cuidado quanto? A situação não é tão simples.
As famílias se encontram em configurações diferentes, e demandam novas formas de cuidado entre seus membros. Era comum imaginar que, ao se aposentar não haveria necessidade, ou desejo, de manter-se tão participativo, que os filhos tomariam a frente. E era o que costumava acontecer anos atrás. Hoje é difícil acreditar que esse cenário aconteça com tanta facilidade. As mudanças econômicas e políticas, de relações de trabalho e aposentadoria, por exemplo, trouxeram novos desafios para que os filhos obtenham a mesma estabilidade que seus pais tinham com a mesma idade. Isto reflete nas relações familiares à medida em que as necessidades de cuidado de cada geração se transformam, atravessadas pelo aspecto financeiro.
O aumento da expectativa de vida é um fator importante a se considerar quando pensamos na questão dos cuidados dos idosos. Por um lado, vemos cada vez mais pessoas envelhecendo mais saudáveis, por outro, vemos pessoas envelhecendo muito mais do que esperavam. Este último aspecto pode ser muito desorganizador, tanto para o idoso quanto para aqueles próximos de si e seu meio. Além disso, a velhice é a fase onde as perdas são mais perceptíveis, apresentam-se fragilidades e vulnerabilidades que demandam atenção específica, e isto implica em altos custos financeiros em muitas situações.
Poderíamos hipotetizar uma série de situações para apontar a interdependência dos aspectos macro e micro dessa mudança populacional. E com frequência o cenário se torna bastante preocupante em projeções a longo prazo. Porém, é da lama que nasce a flor de lótus, símbolo da criação em culturas orientais. E em meio a tanta lama de todas essas mudanças, vemos surgir novos modos de relacionar-se, de cuidado e de estar no mundo. Vemos que, apesar da agressiva cultura de consumo atual, cada vez mais grupos aderem a práticas mais simplistas, de consumo consciente, e isto tem criado uma nova demanda até para as grandes empresas. Pode não ser o movimento ideal, mas é o que foi possível até agora.
Nesse movimento, vemos também novas alternativas de cuidado na velhice. Os centros-dia para idosos são exemplos disto. Um modelo de instituição voltado ao atendimento de idosos que possuem limitações para realizar atividades diárias, convivem com suas famílias, mas não dispõem de atendimento integral em casa. Atualmente já existem centros-dia de iniciativas públicas e privadas, porém a demanda da população ainda é maior do que os serviços podem atender.
O conceito do centro-dia vai ao encontro da lógica antimanicominal, que busca uma abordagem, principalmente a respeito da saúde mental, onde não há exclusão social, internações perpétuas, e o cuidado se dá de forma comunitária. Propõe-se que o idoso frequente o espaço para poder manter-se parte do seu meio social, dentro de suas limitações.
Em concordância com o Estatuto do Idoso e a Política Nacional do Idoso, o modelo do centro-dia visa contribuir para um envelhecimento saudável, propondo atendimento multiprofissional qualificado, acompanhamento familiar e propiciar a permanência do idoso no âmbito da família. Para isto, é determinado que possua equipe especializada para o atendimento gerontológico e geriátrico, e que sejam desenvolvidas atividades para cumprir os objetivos de promover a autonomia, a inclusão social e a melhoria da qualidade de vida. A ação da equipe deve se pautar no reconhecimento do potencial da família e do cuidador, na aceitação e valorização da diversidade e na redução da sobrecarga do cuidador.
A inclusão da família e/ou do cuidador na proposta de atendimento do centro-dia permite o cuidado mais efetivo, pois abrange o aspecto relacional do microcosmo do idoso e seu núcleo, que é afetado pelas mudanças do macrocosmo que é a sociedade em que está inserido. Da mesma forma, as transformações que acontecerem no âmbito individual, impactarão o social, como mencionamos no início.
Ainda há grandes desafios em tratar o envelhecimento populacional, especialmente no que toca à saúde pública. A diversidade aparece como aspecto positivo e negativo. Sabemos que a realidade não é tão próxima da teoria como gostaríamos. Por isso, é importante que seja sempre possível pensar em alternativas, pois os desafios são mais permanentes que as soluções. Isto se faz importante não só no atendimento a idosos e seus familiares, mas a todo momento. Estamos sempre em relação com o outro, a espécie humana vive e triunfa em sociedade, portanto, estamos sempre nos cuidado, ainda que seja pelo impulso mais primitivo de nos preservarmos.
Por isso a importância de um curso que discuta a atuação dos profissionais, especialmente do psicólogo, nesses novos espaços de atuação, como o que darei no Espaço Longeviver no final de setembro, no qual se tentará responder às perguntas: “O que é um Centro-dia?”, “Quem é o idoso que frequenta o centro-dia?”, “Diferenças entre serviço público e privado”, “Diferenças entre centro-dia e outras instituições e equipamentos voltados para a população idosa”. Confiram, inscrições abertas.
(*) Beatriz Leite Machado é Psicóloga (PUC-SP) e Especialista em Psicologia Hospitalar com ênfase em Geriatria (HC-FMUSP). E-mail: leitebeatriz@rocketmail.com
Referências
ALAPHILLIPPE, D.; BAILY, N. Psicologia do Adulto Idoso. Lisboa: Piaget, 2014.
Estatuto do Idoso – Lei Federal N⁰ 10.741 de 1⁰ de outubro de 2003. http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/Leis/2003/L10.741.htm
GUIA DE ORIENTAÇÕES TÉCNICAS CENTRO-DIA DO IDOSO – ‘’Centro Novo Dia’’ / Secretaria de Desenvolvimento Social. – São Paulo: Secretaria de Desenvolvimento Social, 2014. http://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/658.pdf
LOPES, R. G. C; COLDERONI, L. Z. O Idoso na Família: Expansão de Possibilidades ou Retração? In: PAPALEO NETO, M. Tratado de Geriatria e Gerontologia. São Paulo: Editora Atheneu, 2007.
NORMAS DE FUNCIONAMENTO DE SERVIÇOS DE ATENÇÃO AO IDOSO NO BRASIL – SECRETARIA DE POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DEPARTAMENTO DE DESENVOLVIMENTO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL GERÊNCIA DE ATENÇÃO À PESSOA IDOSA https://sbgg.org.br/wp-content/uploads/2014/10/servicos–de-atencao-ao-idoso.pdf
ROMUALDO, A.C.L. “Implantação dos Centros Dia para Idosos no Município de São Paulo”. 10º Congresso Paulista de Geriatria e Gerontologia e 9º Simpósio das Ligas Geriatria e Gerontologia. (São Paulo/ Brasil), em abril de 2017. https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/Artigos/Implantação%20dos%20Centros%20Dia%20para%20Idosos%20no%20Município%20de%20São%20Paulo.pdf
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abs
Carla
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