16 de outubro de 2018
Ninguém sai do pesadelo Alzheimer, do mesmo jeito que entrou.
“Naquela noite, mamãe conversara quase a noite inteira, com os fantasmas que lhe faziam companhia e ela me parecia feliz, do jeito dela.
Para ela era tudo tão natural, como se todas as portas dos diversos universos paralelos estivessem escancaradas, e ela transitasse entre esses mundos com desenvoltura e intimidade, talvez maior do que conseguia neste plano tão confuso e limitante.
Ela via e ouvia, ria junto e se emocionava com as brincadeiras das crianças, e a visita das pessoas amadas que já tinham partido. Tudo estaria na mente “doente” dela, ou eu não conseguia ver porque minha mente “saudável” é extremamente limitada e o medo me cegava?
Nos momentos raros de lucidez, mamãe me perguntava que doença era aquela e chorava, porque sabia que estava trilhando um caminho sem volta. Eu sempre tentava confortá-la e depois, corria para a sala e chorava, porque sabia que ela e eu estávamos trilhando um caminho sem volta.
Sem retorno, sem placas de orientação, sem atalhos, sem caminhos alternativos. Alzheimer determina como será um pedaço da sua história, e não oferece nenhuma opção, ou plano B.
Ninguém sai do pesadelo Alzheimer, do mesmo jeito que entrou. Não sei se melhor, ou pior, mas com certeza, toda essa loucura e sofrimento produzem marcas profundas, na alma e no corpo de quem cuida e sobrevive a esse caos.
Tudo é assustador. Toda a impotência, fragilidade e impermanência humanas são escancaradas sem máscaras, sem filtro e sem nenhum preparo para não nos machucar com tanta realidade.
Não estamos preparados para tanta realidade, não nos preparamos para a velhice e nem para a morte e, de repente tudo isso é servido à nossa mesa, e não podemos nos recusar a comer TUDO, sem deixar nenhuma sobra e sem adicionar nenhum tempero.
Mamãe tremia de medo e gritava apavorada – “Mirinha mata essa lagarta que está subindo pela parede.” E eu dava uma chinelada na parede vazia, ela se acalmava e eu enlouquecia um pouco mais. E quando eu voltava para meu quarto, ficava imaginando que nós duas éramos apenas personagens de um espetáculo cruel, bonecos de um titereiro curioso tentando descobrir até onde o amor, a sanidade e a compaixão conseguem suportar.
Mamãe atravessou aquela porta e deve estar em algum lugar iluminado e com jardim lindo, conforme me contava, quando retornava de seus passeios por mundos paralelos. Eu continuo por aqui, tentando entender tudo isso e preparando o cenário para minha velhice. Aprender a envelhecer – esta talvez tenha sido uma boa lição que o Alzheimer me ensinou.
Estou tentando andar mais devagar para olhar as portas.
No nosso próximo encontro, vamos conversar um pouco sobre como adaptar a casa, para acolher o paciente.
Até lá!
obs. conteúdo meramente informativo procure seu médico
abs
Carla
http://alzheimer360.com/papo-de-cuidador-pesadelo-alzheimer/?fbclid=IwAR0hUfU3dxxLZ7A7oHN1P2burbf3kCzws_KjIZu2C30tKGMzokVQeDlaT8M
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