Após a promulgação do Estatuto do Idoso houve um avanço e aperfeiçoamento considerável na prestação jurisdicional a fim de garantia das medidas protetivas a pessoa idosa, mas além dessas medidas é necessário implementar outras na área de informação e educativas para que a sociedade se aproprie da área do envelhecimento e suas peculiaridades.
Waldir Macieira da Costa Filho (*)
Introdução
A população idosa no mundo vem crescendo de maneira significativa, principalmente nos chamados países do ocidente. Segundo estimativa das Nações Unidas, através da Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente um milhão de pessoas cruzam a barreira dos 60 anos de idade a cada mês no mundo.
No Brasil, a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) de 2012 (1), constatou que houve um significativo crescimento da população acima de 60 anos nestes últimos anos, onde temos mais de 24.800.000 pessoas idosas, sendo 13.840.000 mulheres e 11.010.000 homens, isso traz enormes desafios para o Estado e a sociedade brasileira nesse novo século, principalmente no sentido de superar os preconceitos e garantir um envelhecimento positivo e saudável aos nossos velhos.
A velhice hoje, além de um fenômeno biológico e psicológico que se inicia a partir dos 40 anos no homem e na mulher, e se instala genética e juridicamente a partir dos 60 anos de idade; como todas as situações humanas, tem uma dimensão existencial, econômica, política, moral, jurídica e social, alterando a sua relação com o tempo, com o mundo e sua história. No mundo neoliberal desse novo milênio, globalizado e consumerista, e onde o individualismo e competitividade impera, o envelhecimento, de condição humana, passou a ser um problema para a sociedade desenvolvimentista.
Frank Schirrmacher(2), em seu bom livro A Revolução dos Idosos, assim diz:
Nossas sociedades não conhecem transições entre a juventude e a velhice, a saúde e a doença, entre a ingenuidade e a sabedoria. A vida está subdividida – como no processo de produção de uma mercadoria – em três partes: a juventude, a vida profissional e a velhice. Nenhuma das partes tem algo a ver com as outras. Por isso, nossas sociedades criam em nós o sentimento de que seremos trocados ou substituídos ao longo de nossa vida”.
O Estatuto do Idoso e as medidas protetivas
A lei 10.741 de 03 de outubro de 2003, denominado Estatuto do Idoso, que completou este ano quatorze anos de existência, é mais um reflexo, uma consequência, dessa nova realidade pós-moderna da longevidade do homem, e além de estar em sintonia com as normas internacionais, segue uma lei maior: a Constituição Federal do Brasil de 1988, chamada “Carta Cidadã”, que visionariamente protagonizou a pessoa idosa em seu texto.
O Estatuto do Idoso (EI) então traz normas substantivas que direcionam as políticas públicas e as medidas protetivas aos idosos, e normas instrumentais, para que, caso não sejam cumpridos aquelas normas substantivas, possam os idosos ou seus representantes, dispor de instrumentos jurídicos para exigir o cumprimento daqueles, através da ação dos órgãos judiciais.
É uma tarefa extremamente difícil e complexa encontrar uma definição única para essas violações diversas que englobam os maus-tratos, o abuso, a negligência, o abandono, a violência física, sexual, psicológica, financeira e familiar. Os autores desses atos podem ser múltiplos, podem estar implicados familiares, profissionais, instituições, e a própria sociedade ou comunidade de onde vive o idoso ou idosos que são vítimas. O cenário onde se produz estas violações também são variados, podendo ocorrer no domicílio do idoso, ou na residência de filhos ou familiares onde se encontra, na instituição de longa permanência (abrigo), no hospital ou clínica de atendimento, num órgão público ou entidade privada de atendimento público, no passeio público, numa praça, num cinema, num veículo de transporte público, no seu local de trabalho. Nessa definição também ocorre variáveis, desde percepções sociais, ambientais, culturais e étnicas do que deve se considerar maus-tratos e violência, a situações dicotômicas como ação ou omissão, intencionalidade ou não intencionalidade do agente agressor.
Diante desse cenário diverso, verifica-se que para se trabalhar hoje com a questão da pessoa idosa, o profissional do direito, assim como qualquer outro profissional que tenha que atuar na garantia e proteção de direitos desse segmento precisa ter uma concepção multidisciplinar da questão, não podendo se restringir a uma visão especializada ou estanque de sua área de atuação, sob pena de tomar medidas equivocadas ou que, em vez de atenuar ou solucionar o problema do idoso, agrave sua situação e sua relação com a sociedade e sua família.
Nesse diapasão, em que precisamos ter uma visão multidisciplinar, lembro da lição do filósofo Edgar Morin, que, com seu pensamento complexo, afirma que os conhecimentos especializados estão hermeticamente fechados em “caixas” e que não se inter-relacionam, provocando nesse mundo pós-moderno que não encontremos soluções para muitos dos problemas que afligem a humanidade e que perpassam simultaneamente por várias áreas do conhecimento, como o direito, a ética, a política, a economia, a antropologia, a biologia, a psicologia, a arquitetura, e outras; como é o caso do envelhecimento, porque teimamos em resolvê-los separadamente por cada área(3).
No caso para tomarmos medidas de proteção aos idosos, e que sejam eficazes e benéficas a eles, necessariamente deve o profissional do direito, além de uma visão multidisciplinar da questão do envelhecimento, ouvir os idosos (destinatários de sua ação), e ter o apoio e colaboração de vários profissionais na resolução das questões a si impostas pelo caso concreto, como por exemplo: de gerontólogos, assistentes sociais, geriatras, psicólogos, pedagogos, arquitetos, fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiros, cuidadores, além da família e dos representantes das entidades e conselhos representativos do segmento.
Num cenário em que a discriminação da pessoa idosa é uma realidade, importante observar que não basta somente medidas de proteção pós-violência, não se pode ficar aguardando situações de violações para tomar medidas de resguardo aos direitos dos idosos. Medidas preventivas, através de ações sociais e políticas positivas, que podemos dividir em três categorias dentro da chamada prevenção primordial, tem o objetivo de evitar a aparição e consolidação daqueles padrões da vida social, econômica e cultural que se sabe que contribuem a aumentar o risco de maus-tratos e violência contra aqueles que se encontram na chamada terceira idade, conforme prescrito no Guia de Atuação para prevenir maus tratos aos idosos do Observatório de Personas Mayores do Governo Espanhol(4), e que seriam: a) a informação através dos meios de comunicação, das escolas e universidades sobre o envelhecimento; b) a formação de profissionais na área gerontológica e geriátrica, incluindo cuidadores e os próprios familiares dos idosos; c) e as políticas institucionais em relação ao desenvolvimento de normas jurídicas que amparem e protejam os idosos, o desenvolvimento de programas de assistência social, saúde, habitação, vigilância sanitária; que englobem não só o idoso, mas os demais integrantes da família ou grupo onde ele vive.
Essas medidas preventivas já estão previstas nos incisos I a VIII do art.3º do Estatuto do Idoso e são boas ações para diminuir a violência contra o idoso em nossa sociedade. Porém quando essas medidas não surtem efeitos e casos concretos de violência, discriminação, abandono e maus-tratos ocorrem, há necessidade da atuação pronta e presente do Ministério Público, Poder Judiciário e outros órgãos como a Polícia Judiciária e a Defensoria Pública. Esses órgãos deverão, como dito acima, na atuação de proteção ao velho, contarem não só com profissionais na área do direito, mas de profissionais da assistência social, psicologia, gerontologia e até geriatria, além de fomentarem convênios com entidades públicas ou privadas que possam dar suporte técnico e disponibilizar outros profissionais que atuam na área do envelhecimento, como pedagogos, arquitetos (especialistas em acessibilidade), nutricionistas, terapeutas ocupacionais e outros.
Das medidas específicas de proteção
Uma das finalidades precípuas do diploma do idoso é garantir que a família, a comunidade, a sociedade e o Poder Público assegurem ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Isso fez com que o legislador colocasse como obrigação a priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência (art.3º.VIII, do EI). Quis o legislador garantir que antes de qualquer medida extrema de abrigamento do idoso em Instituição de Longa Permanência (ILPI) e de punição a integrantes da família, se esgotasse os meios legais de manutenção do idoso no seio familiar e no local de sua moradia. Então verifica-se que as medidas elencadas no art. 45 do EI devem ser seguidas cronologicamente, devendo a precedente ser observada somente caso não haja condições de adimplemento da anterior. Assim a manutenção ou encaminhamento à família ou curador é a primeira e principal medida, sendo o abrigamento em local público ou particular a última hipótese, quando não exista ou não haja condições de permanência do idoso em sua residência ou local familiar.
Por isso, as medidas específicas de proteção ao idoso previstas no art.45 do EI podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, e levando em conta os fins sociais a que se destinam e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Dessa forma, para efetivar qualquer medida prevista no art.45 do EI deve o Juiz e/ou Membro do Ministério Público se municiar de estudo multidisciplinar e, muitas vezes ir “in loco”, para constatar a situação real da pessoa idosa e os vários aspectos sociais, econômicos, ambientais e jurídicos que o envolve, até porque muitas vezes outros membros da família, inclusive crianças, podem estar também em situação de vulnerabilidade e maus-tratos, necessitando de proteção.
Em casos extremos, onde não é possível manter o idoso com a família em sua residência, ou quando este não possui família ou residência fixa, a medida protetiva a ser tomada com base no art.46 do EI é o encaminhamento provisório ou permanente a uma Instituição de Longa Permanência de Idosos (ILPIs), popularmente chamada abrigo ou asilo, o EI prevê este tipo de entidade no seu art.48 e especificamente no art.49, onde deve ser garantido durante a estadia do idoso a preservação dos laços familiares, sua liberdade, dignidade e oferecimento de serviços personalizados a partir do perfil biopsicossocial do mesmo. A norma orientadora para funcionamento de uma ILPI, seja pública ou privada é a Resolução Colegiada – RDC n. 283 de 26.09.2005, ela estabelece o padrão mínimo de funcionamento desses estabelecimentos. Esta norma é aplicável a toda instituição de longa permanência para idosos, governamental ou não governamental, destinada à moradia coletiva de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar. Segundo essa RDC a instituição deve oferecer instalações físicas em condições de habitabilidade, higiene, salubridade, segurança e garantir a acessibilidade a todas as pessoas com dificuldade de locomoção. Devem estas instituições terem um mínimo de profissionais capacitados na área da gerontologia e geriatria, como médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, cuidadores, nutricionistas, cozinheiro, assistentes sociais, pedagogo e psicólogos, além de professor em educação física. E deve ter um contrato com o idoso, ou seu curador, garantindo desde serviços de lavagem de roupa, a alimentação, vestuário, atividades lúdicas, esportivas, de enfermaria e de lazer; além de medidas preventivas a sua saúde, que vão de medicamentos a alimentos específicos a sua idade.
As medidas protetivas previstas no EI são de largo alcance e de caráter multidisciplinar, abrangendo também o encaminhamento para atendimento na área médica, da assistência social, psicologia e trabalho. Estas medidas abrangem tanto o idoso como os demais familiares ou acompanhantes que residem junto com aquele.
Porém em muitos casos de violência ou maus-tratos doméstico ao idoso, são necessárias medidas judiciais coercitivas e criminalizadoras contra os agressores. A violência é um processo social relacional complexo e diverso e que atinge com mais impacto o idoso em função de sua vulnerabilidade.
Conclusão
Sem esgotarmos o tema neste breve texto, verificamos que houve, após a promulgação do Estatuto do Idoso, um avanço e aperfeiçoamento considerável na prestação jurisdicional a fim de garantia das medidas protetivas a pessoa idosa, com a utilização de instrumentos jurídicos principalmente pelo Ministério Público e Poder Judiciário. Mas além dessas medidas, é necessário implementar outras na área de informação e educativas para que a sociedade se aproprie da área do envelhecimento e suas peculiaridades, garantindo um tratamento digno, prioritário e humano a pessoa idosa por todo seu histórico, por toda sua contribuição a essa mesma sociedade.
(*)Waldir Macieira da Costa Filho – Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará, Titular da 1a. Promotoria de Justiça de Defesa do Idoso e Pessoa com Deficiência da Capital; Mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília – UNB; Membro do Grupo de Trabalho dos Direitos das Pessoas com Deficiência (GT-7) da Comissão de Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. Diretor e Associado da AMPID.
AMPID
A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência – AMPID tem atuação em âmbito nacional desde o ano de 2004 e contribui para o diálogo social e a promoção dos interesses dos idosos e pessoas com deficiência. Site: http://www.ampid.org.br/
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