Tempo. Se tivermos tempo, um tempinho, talvez, para lembrarmos histórias, daquelas bem gostosas de ouvir, especiais, que maravilha seria. Nós brasileiros, como mesclas de várias culturas, temos no sangue o acúmulo de experiências produzidas nas horas, herdadas por nossos pais, avós, parentes, amigos e até conhecidos inesperados, como foi o encontro (em pleno carnaval) com o Sr. Jacob, cuja história é relatada no Blog “Escola da Vila” por Ivone Domingues.
Na mitologia grega, Kairós é filho de Chronos, deus do tempo e das estações. Ao tempo existencial os gregos denominavam Kairós, aquele que enfrentava o cruel tirano Chronos.
Na filosofia grega e romana, Kairós é a experiência do momento oportuno, o tempo em potencial, tempo eterno, enquanto que Chronos é a duração de um movimento, uma criação.
Na teologia cristã, Chronos é o “tempo humano”, medido em anos, dias, horas...Enquanto o termo Kairós descreve “o tempo de Deus”, que não pode ser medido, pois “para o Senhor um dia é como mil anos e mil anos como um dia”.
Pois é esse Kairós que permite a surpresa e nos brinda com a emoção que é viver.
Lembranças do Sr. Jacob por Ivone Domingues: “Um senhor polonês de 97 anos, que vive no Brasil desde os 13. O Sr. Jacob é um narrador de primeira. Conta com prazer e enorme riqueza de detalhes suas histórias de vida, dentre elas a viagem de vinte e um dias, da Polônia ao Brasil, quando tinha 13 anos. Veio junto com o irmão de 10 anos encontrar os pais, um tio e seus outros irmãos menores que já viviam aqui”.
Quantos de nós, ao ler esse relato, não pensam em casos reais, histórias de pessoas simples, batalhadoras, que chegaram no país, muitas vezes, “sem lenço e sem documento” em busca de oportunidade e da possibilidade de realizar sonhos?
Ivone continua: “As histórias do Sr. Jacob eram contadas com humor, num ritmo adequado ao nível de detalhe e sabor dos acontecimentos, ou seja, lento para nossos parâmetros atuais. Por esse motivo, volta e meia, antes de concluir seu pensamento, o Sr. Jacob era interrompido por algum de nós, seus ouvintes, com uma nova pergunta. Quando isso acontecia, o Sr. Jacob, sorrindo, perguntava: “Você tem tempo?”.
Se temos tempo? Se for aquele do relógio “dos ponteiros cruéis”, prefiro não tê-lo. Mas se for o tempo da existência, não medido, mas sentido e vivido, esse sim. E que se criem verdadeiras avalanches de horas descontroladas, frenéticas, de ouvidos aguçados prontos para mais e mais. Proponho uma revolução: rompamos com os ponteiros das horas, dos minutos e dos segundos. Que não mais existam contagens. Queimemos os relógios!
Lembrando do inesquecível filme de François Truffaut “Fahrenheit 451” de 1966: num futuro próximo, bombeiros teriam como função principal queimar qualquer tipo de material impresso, a literatura era considerada um propagador da infelicidade. Mas, surpreenda-se: para manter a existência dos livros, as pessoas liam e reliam os livros infinitas vezes, até introjetá-los em cada palavra, frase, imagem, cenário e atmosfera. Com isso, teríamos livros e homens fundidos num único ser.
Assim, a exemplo de Truffaut, introjetemos as Horas Cronos, sejamos aliados do marcador humano até nos tornarmos “Um” e assim vivermos a plenitude de uma existência Krónos.
Referências
DOMINGUES, I. (2012). Tempo de carnaval. Disponível em http://www.vila.com.br/blog/?p=4176. Acesso em 07/04/2012.
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