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domingo, 16 de abril de 2023

Diabetes e Legislação - Por que recebemos o que recebemos?

 

 

 


De acordo com a Declaração dos Direitos Humanos e a própria Constituição Federal Brasileira, saúde é um direito básico do ser humano. Na Declaração dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), isso figura no artigo 251, enquanto na Constituição, no seu artigo sexto essa mensagem fica bastante explícita[2].

www.un.org/en/universal-declaration-human-rights/

Desta forma, podemos dizer que todas as pessoas com diabetes, uma vez que são cidadãs, têm direito aos cuidados necessários para o bom controle do diabetes. Isso inclui, porém não está limitado a, os insumos necessários para o tratamento – ou seja, lancetas, tiras para teste, insulina, medicação oral e qualquer coisa necessária para que a pessoa com diabetes tenha um bom controle metabólico – ou seja, para a maioria dos adultos, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes, uma glicemia de jejum entre 70mg/dl e 130mg/dl, uma glicemia duas horas pós-refeição menor que 160mg/dl e uma hemoglobina glicada menor do que 7%[3].

Atualmente, a legislação brasileira diz que determinados medicamentos e insumos devem ser disponibilizados na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Eles são a glibenclamida, a glicazida, a metformina, a insulina NPH, a insulina regular, as seringas necessárias para a aplicação de insulina, as lancetas necessárias para furar os dedos nos testes de glicemia, e as tiras reagentes para os monitores – assim como os monitores necessários[4]. Esta portaria entrou em vigor em 2007.

Porém, antes de prosseguirmos, é hora de fazermos uma reflexão crítica  respeito disso. Como são feitas estas portarias? Quem define o que deve ou não ser disponibilizado no SUS?

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Ora, essas perguntas encontram a mesma resposta: evidências científicas.

Apesar do nome complicado, as “evidências científicas” são estudos científicos, com uma metodologia bastante detalhada, que indicam se determinado tratamento é melhor do que outro. Desta forma, de posse de todas essas informações, é possível estruturar as aquisições do governo da maneira mais inteligente possível.

Uma analogia interessante seria a lista de compras das nossas casas. Por exemplo, se muitos vizinhos dizem que determinado sabão em pó é bom para lavar as roupas e você vê que as camisetas do filho da vizinha realmente estão mais brancas, esta seria a nossa “evidência científica” – nem um pouco exata, mas serve para o exemplo.

Então, você descobre quanto pode gastar no mercado e vai às compras. Mas, logicamente, você não saiu de casa apenas para comprar sabão em pó. É preciso comprar pão, margarina, leite, arroz, feijão, bananas, alface, tomate... Portanto, para comprar o tal sabão em pó, você precisa ter certeza absoluta de que aquele produto vai mudar a sua vida – principalmente porque ele deve ser mais caro do que o sabão em pó que você comprava...

Então, para ter dinheiro sobrando para comprar o bendito sabão em pó, você diminui a quantidade de pão que está levando, e consegue pagar a quantidade disponível na sua carteira. E volta para casa todo feliz, sabendo que ninguém vai passar fome – mesmo com menos pão – e que as roupas ficarão mais limpas – com o novo e melhor sabão em pó.

Para o Estado comprar os medicamentos é exatamente a mesma coisa. Inclusive em se tratando do dinheiro público, que, ao contrário do que pensamos, também é um recurso limitado.

O governo precisa pensar nas “contas da casa”, ou seja, comprar medicamentos para asma, hipertensão, diabetes, HIV, antibióticos, analgésicos, antifúngicos, todos os medicamentos disponíveis no SUS. Então, para mudar alguma coisa da “listinha” do SUS, é preciso uma evidência muito boa.

Indo por essa mesma linha, é possível pensar sobre “entrar na justiça para conseguir os remédios”. Quando entramos com um processo judicial contra o governo para conseguir insulinas melhores, bombas de insulina, o que quer que seja, estamos dando um gasto extra para o Estado. E esse dinheiro tem que sair de algum lugar.

Voltando para a nossa analogia, seria como se uma visita chegasse de surpresa na sua casa – e logicamente, você tem que sair correndo para a padaria, para comprar um bolinho, algum refrigerante, qualquer coisa para “fazer sala” para o cidadão. E, esse dinheiro gasto, possivelmente seria utilizado para comprar mais pão, ou mais arroz, na sua compra do mercado.

A diferença é que enquanto muitos de nós temos uma “poupança” para esse tipo de gasto, a poupança do governo chama-se “Banco Mundial” e “Fundo Monetário Internacional”.

Não é um medicamento que vai endividar o país, claro. Mas pense no custo de uma insulina de última geração para todas as pessoas que entram na justiça, os quimioterápicos – para câncer – que também são conseguidos na maioria das vezes por esta via, tratamentos experimentais – tais como a fosfoetanolamina, recentemente na mídia – muitas vezes disponibilizados sem as evidências científicas... O bolo fica gigante.

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Agora, vamos voltar para a nossa portaria, datada de 2007...

Nela, na parte chamada de “Anexo”, é explícito que “Não existem evidências científicas suficientes que o automonitoramento rotineiro da glicemia capilar nos pacientes diabéticos [com diabetes] tipo 2 em terapia com hipoglicemiantes orais seja custo - efetivo para o melhor controle da glicemia.”4. Então, de acordo com as evidências consultadas, fornecer monitores de glicemia, tiras e lancetas para pessoas com diabetes tipo 2 que não usem insulina não traz resultados bons o suficiente – e então, estas pessoas não têm direito a estes insumos citados.

De fato, o simples ato de medir a glicemia não melhora o controle se e somente se a pessoa não tomar nenhuma iniciativa em relação aos números mostrados. Caso a pessoa veja “400mg/dl” no visor do monitor de glicemia e não faça nada a respeito – continue comendo da mesma forma, continue usando os mesmos medicamentos da mesma forma... – é lógico que isso não terá nenhum benefício, e portanto, o gasto que o governo está tendo para fornecer as tiras, lancetas e monitor é inútil.

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Antes de prosseguirmos, vamos fazer mais uma pausa para reflexão crítica. Será que estes estudos científicos usados como “evidência científica” para o governo falar isso eram os melhores de cada área? Será que a metodologia – o “jeitão” – destes estudos era a mais detalhada, instruindo a pessoa com diabetes tipo 2 e medicação oral a tomar alguma iniciativa diante dos resultados do teste de glicemia? Ou será que só verificaram se a pessoa media ou não a glicemia em casa e ficava por isso mesmo?

Infelizmente, na portaria não há registro de quais estudos foram utilizados. E isso abre uma possibilidade muito grande, inclusive, para que as evidências consultadas estivessem desatualizadas.

O Prof. Dr. José Carlos Aguiar Bonadia, coordenador da disciplina de Propedêutica Clínica da Santa Casa de São Paulo, diz em suas aulas que “o conhecimento médico dobra a cada oito meses”. Então, pensar em uma portaria baseada em estudos de, no mínimo, 2007 é um tanto quanto... ultrapassado.

Será que em quase dez anos não surgiu evidência suficiente para mudar alguma coisa a respeito dessa legslação?

A resposta é um retumbante, estrondoso e enorme SIM!

Em um estudo publicado em 2011 – ou seja, nem é tão recente assim...! – o Dr. William Polonsky encontrou benefícios quando as pessoas com diabetes tipo 2 em uso de medicação oral faziam o teste de glicemia em casa e eram instruídos sobre o que fazer com cada resultado. A hemoglobina glicada destas pessoas diminuiu entre 0,9% e 1,2%, e o bem estar geral destas pessoas aumentou – foi utilizado um questionário da Organização Mundial da Saúde (OMS) para medir isso. Tudo com relevância estatística.[5] Tudo melhor do que se o Brad Pitt e a Angelina Jolie, juntos, fizessem o comercial do sabão em pó.

Então, outras perguntas são levantadas. Por que a legislação não mudou? Por que ninguém achou essas evidências antes?

Bem, este trabalho estava quase escondido no meio de tantos trabalhos publicados. Para encontrá-lo, foi necessário alguma pesquisa direcionada, com a ajuda de muita gente competente no tema. Então, é presumível que ninguém tenha visto este trabalho, que permitiria mudanças gigantescas no tratamento do diabetes tipo 2 no Brasil.

Podemos prever, por exemplo, que menos gente teria complicações, porque teria melhor acompanhamento das glicemias e alterações no tratamento de maneira mais direcionada. Pessoas iniciariam o uso de insulina antes do aparecimento das complicações, quebrando o mito de que “insulina deixa cego” (não, não deixa!!!). O gasto do SUS com cirurgias de amputações e diálises – decorrências das complicações – cairia drasticamente.

É a prova cabal de que gastando mais agora na prevenção seria muito melhor – não apenas quanto ao dinheiro, mas também em termos de qualidade de vida! – do que gastar lá na frente com as complicações.

Usando a nossa analogia, é a prova de que lavar a roupa com o sabão em pó recomendado pelos vizinhos sai mais barato do que comprar uma roupa nova no fim do mês.

Oras, todos nós, como cidadãos, podemos exigir dos nossos representantes no governo – vereadores, deputados, senadores – mudanças nas leis. Nós os elegemos para isso, concorda? Podemos – e devemos – fazer pressão junto com as associações de diabetes e como pessoas comuns para que as legislações sejam atualizadas.

Mais algumas perguntas, para terminarmos. Será que não existe algum trabalho científico relacionado ao benefício com o uso de insulinas mais modernas e bomba de insulina? Será que não existe referência sobre o uso de sensores de glicemia e benefício para a população?

E você já escolheu seus candidatos para 2016?

Notas:
(1) http://www.un.org/Overview/rights.html
(2) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
(3) Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2014-2015. 2014.
(4) http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2007/prt2583_10_10_2007.html
(5) Polonsky WH et al. Structured Self-Monitoring of Blood Glucose Significantly Reduces A1C Levels in Poorly Controlled, Noninsulin-Treated Type 2 Diabetes. Diabetes Care, Volume 34, February 2011

Chair-Elect Young Leader in Diabetes (YLD-IDF), SACA region
Assistente de Coordenação do Treinamento de Jovens Líderes em Diabetes
Monitor Acampamento ADJ-UNIFESP-NR
Acadêmico de Medicina, 5º Ano - FCMSCSP

 

 

 

 

 

 

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Carla

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