Em
resumo, a doença de Alzheimer é marcada por dois processos principais.
Na primeira delas, ocorre o acúmulo de uma proteína chamada
beta-amiloide nos espaços entre os neurônios.
Anos depois, essas células nervosas são afetadas por outra proteína, conhecida como TAU.
O
resultado disso é a morte dos neurônios, o que leva ao aparecimento
progressivo de sintomas como esquecimentos e dificuldades de raciocínio.
Nas últimas décadas, na busca por novos tratamentos, cientistas aprenderam duas lições valiosas sobre o Alzheimer.
A
primeira delas é que a formação dos novelos de beta-amiloide no cérebro
pode ser dividida em uma série de etapas. Elas surgem como monômeros,
evoluem para oligômeros e, depois, formam fibrilas. Com o avanço do
conhecimento, os especialistas puderam entender em detalhes o que
acontece em cada uma dessas fases.
Nomes
complicados à parte, na prática isso significa que remédios diferentes
podem agir numa fase ou outra desse processo, o que supostamente levaria
a resultados melhores ou piores.
"A
dúvida era como interferir nessa cascata de eventos, de modo que ela
pudesse ser interrompida antes que o quadro se tornasse irreversível",
contextualiza o neurologista Fábio Porto, diretor científico da
Associação Brasileira de Alzheimer - Regional São Paulo.
O
segundo aprendizado tem a ver com a necessidade de fazer o diagnóstico
precoce da doença. Mas se a ideia é tratar indivíduos que sequer
apresentaram sintomas (ou ainda estão com incômodos muito leves), como
saber quem está com os agregados de beta-amiloide em formação no
cérebro?
A necessidade de identificar esses indivíduos levou a uma verdadeira revolução dos exames de Alzheimer.
Embora
ainda hoje, nos consultórios médicos, o diagnóstico dependa da
avaliação do profissional da saúde e da aplicação de um questionário, já
começam a aparecer testes mais assertivos, que conseguem quantificar a
proteína tóxica no sistema nervoso.
Isso
pode ser feito, por exemplo, por meio de exames de imagem (como o
PET/CT), de líquor (a coleta por punção de uma amostra do líquido
presente na medula espinhal e no cérebro) e até do sangue.
E
um exame capaz de detectar o Alzheimer no sangue já está disponível no
Brasil: nas últimas semanas, o Grupo Fleury trouxe ao país o
PrecivityAD2, que detecta proteínas capazes de indicar a presença de
placas amiloides no cérebro.
Segundo
a empresa, os resultados do teste são comparáveis a outros métodos,
como o PET, com o benefício de ser menos complicado e invasivo.
"Acreditamos
que este seja um importante passo para o avanço da Medicina e para o
ecossistema de saúde nacional. O diagnóstico precoce da doença de
Alzheimer impacta diretamente nas intervenções clínicas relacionadas à
doença, algo que resulta em um desfecho clínico mais favorável ao
paciente", afirmou Edgar Gil Rizzatti, presidente de Unidades de
Negócios Médico, Técnico, de Hospitais e Novos Elos do Grupo Fleury, em
comunicado à imprensa.
"Mas
a importância do diagnóstico precoce não é, e nem deve ser, o de criar
estigmas, mas, sim, permitir o avanço nos métodos que permitam a
prevenção. Nós podemos compará-los aos exames para detecção precoce de
câncer de mama ou próstata", ponderou o neurologista.
"Os
maiores avanços da Medicina sempre dependem do diagnóstico muito
precoce e da prevenção. E estamos nos aproximando rapidamente deste
estágio para a doença de Alzheimer", completou ele.
2. Novos remédios
A
pesquisa sobre um tratamento para a doença de Alzheimer, o tipo de
demência mais comum, passou muito tempo sem grandes novidades. Nas
últimas duas décadas, nenhum novo remédio havia sido lançado.
E
não foi por falta de tentativas: mais de uma centena de candidatos a
novos tratamentos foram avaliados, mas todos frustraram as expectativas
de médicos, pacientes e familiares.
O
cenário mudou em 2021, com aprovação do medicamento aducanumabe (da
farmacêutica Biogen) pela Food and Drug Administration (FDA), a agência
regulatória dos Estados Unidos.
Vale
dizer que a liberação deste fármaco gerou controvérsias na comunidade
científica, e os pedidos posteriores para uso dele em outros lugares
(como Europa e Brasil) foram negados.
No
início de 2023, outra medicação contra esse tipo de demência recebeu
sinal verde em terras americanas: o lecanemabe (dos laboratórios Eisai e
Biogen). Ainda não há previsão de quando ele chegará ao Brasil.
E
mais uma opção pode estar a caminho: na Conferência Internacional da
Associação de Alzheimer de 2023, realizada na Holanda, foram
apresentados os resultados positivos dos estudos com o donanemabe (Eli
Lilly), que foi capaz de frear a progressão dos sintomas da doença.
Por
um lado, os avanços recentes foram comemorados e renovaram as
esperanças, ao indicarem saídas para ao menos atrasar a perda das
memórias e do raciocínio.
A
ideia de usar anticorpos monoclonais como aducanumabe, lecanemabe e
donanemabe para "varrer" a beta-amiloide do cérebro de pacientes com
Alzheimer surgiu como uma tentativa de interromper a evolução da doença.
No
universo da demência, porém, os primeiros testes com esses fármacos
acabaram frustrados. Algumas versões anteriores dos anticorpos
monoclonais até conseguiam limpar a beta-amiloide do sistema nervoso,
mas isso não se traduzia em melhoras clínicas entre os voluntários.
Ou
seja: o cérebro deles até apresentava menos quantidade dessa proteína
tóxica, mas os impactos nas lembranças e no pensamento continuavam a
avançar de forma desenfreada.
Mas
aí os especialistas tiveram outra ideia. O Alzheimer é uma doença
progressiva e lenta — e há uma janela de anos ou até décadas entre o
início do acúmulo da beta-amiloide e o aparecimento dos primeiros
sintomas.
E
se os remédios fossem usados justamente nessa fase, classificada como
comprometimento cognitivo leve ou demência inicial? Foi justamente o que
foi testado, com relativo sucesso, com lecanemabe e donanemabe.
Os testes com o lecanemabe,
por exemplo, envolveram 1795 participantes com quadros demenciais
leves. Metade deles recebeu o remédio, enquanto a outra parcela tomou
placebo, uma substância sem nenhum efeito terapêutico. Todos passaram
por exames e testes cognitivos para comparar os resultados.
Ao
final de 18 meses de experiência, o grupo que usou esse anticorpo
monoclonal tinha menos beta-amiloide e apresentava um "declínio
moderadamente menor nas medidas de cognição e função" quando comparado a
quem tomou placebo.
Com o donanemabe, o esquema foi parecido: 1.736 voluntários divididos em duas turmas (remédio versus placebo) acompanhados por um ano e meio.
Os resultados também mostram uma desaceleração de até 60% do declínio cognitivo em quem recebeu a terapia.
Mas como traduzir essas informações para a prática?
"Essa
redução do declínio significa que os pacientes que fizeram o tratamento
pioraram menos que aqueles que tomaram placebo. Mas eles não deixaram
de piorar", responde Porto.
"Foi possível atrasar a progressão das fases da doença de Alzheimer em cerca de quatro a seis meses", complementa o médico.
Ou
seja: o tratamento com os anticorpos monoclonais funcionou como uma
espécie de freio, que segurou por um tempo extra a evolução do Alzheimer
para as etapas mais graves e incapacitantes.
"Essas
medicações definitivamente conseguem reduzir substancialmente os
depósitos de amiloide. Isso é inequívoco e indiscutível. Mas ainda temos
um efeito clínico modesto, que talvez seja difícil de ser mensurado do
ponto de vista individual", analisa o neurologista Paulo Caramelli,
professor titular do Departamento de Clínica Médica da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG).
"Para
as pessoas que eventualmente usarem esses medicamentos, isso é algo que
precisará ser muito bem explicado", pontua o médico.
Mas
essas medicações ainda geram certas preocupações na comunidade médica,
como o fato de os resultados serem considerados "modestos", os efeitos
colaterais "potencialmente graves" e os preços "extremamente altos" — como você entende em detalhes nesta reportagem.
3. Nova compreensão da doença
O jornalista James Gallagher, da BBC News, publicou recentemente uma reportagem sobre uma pesquisa feita no Reino Unido e na Bélgica que detalha a forma como o Alzheimer "mata" os neurônios.
Há décadas, este é um mistério e fonte de intenso debate científico.
Em
artigo publicado na revista Science, a equipe associou as proteínas
anormais que se acumulam no cérebro com a “necroptose” — uma forma de
suicídio celular.
As
descobertas foram descritas como “interessantes” e “excitantes”, pois
abrem caminho para novas ideias para o tratamento da doença.
Pesquisadores
do Instituto de Pesquisa de Demência do Reino Unido, nas universidades
College London e KU Leuven, na Bélgica, apontam que a amiloide anormal
começa a se acumular nos espaços entre os neurônios, levando a uma
inflamação cerebral — algo que é nocivo aos neurônios. Isso começaria a
mudar sua química interna.
Emaranhados
de TAU começam a surgir e as células cerebrais começam a produzir uma
molécula específica, chamada MEG3, que provoca sua morte por necroptose.
A
necroptose é um dos métodos que nosso corpo normalmente usa para
eliminar células indesejadas à medida que células novas são produzidas.
As células cerebrais sobreviveram quando a equipe conseguiu bloquear a MEG3.
“Esta
é uma descoberta muito importante e interessante”, disse à BBC o
pesquisador Bart De Strooper, do Instituto de Pesquisa de Demência do
Reino Unido.
“Pela
primeira vez temos uma pista sobre como e por que os neurônios morrem
na doença de Alzheimer. Tem havido muita especulação nos últimos 30 a 40
anos, mas ninguém foi capaz de identificar os mecanismos", afirmou
Strooper.
Estas
respostas vieram de experimentos em que células cerebrais humanas foram
transplantadas para cérebros de camundongos geneticamente modificados.
Os animais foram programados para produzir grandes quantidades de amiloide anormal.
O
professor De Strooper diz que a descoberta de que o bloqueio da
molécula MEG3 pode adiar a morte das células cerebrais poderá abrir
caminho para uma “linha totalmente nova de desenvolvimento de
medicamentos”.
No entanto, isso levará anos de pesquisa.
Tara
Spires-Jones, professora da Universidade de Edimburgo e presidente da
Associação Britânica de Neurociências, disse que “este é um artigo
interessante”.
Ela afirma que o estudo "aborda uma das lacunas fundamentais na pesquisa sobre Alzheimer"
"Estes resultados são fascinantes e serão importantes para o avanço neste campo."
No
entanto, ela enfatizou que “muitos passos são necessários” antes de
sabermos se as descobertas poderão ser aproveitadas como tratamento
eficaz para a doença de Alzheimer
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