Publicado em: 15 de março de 2024
Revisado em: 15 de março de 2024
A endometriose pode provocar dores crônicas intensas, o que pode levar a prejuízos no trabalho, na vida social e na saúde mental das mulheres. Saiba mais.
A endometriose é uma doença na qual as células do endométrio (camada que reveste o útero) não são expelidas como deveriam na menstruação e caem na cavidade abdominal, podendo se instalar em diversos órgãos, como intestino, bexiga e ovários.
O principal sintoma da endometriose são cólicas intensas que acontecem durante a menstruação. Mas também podem haver outros sintomas, como dor durante a relação sexual, dor e sangramento intestinal ou urinário no período menstrual e infertilidade.
No Brasil, cerca de 7 milhões de mulheres têm a doença, mas o diagnóstico leva de oito a dez anos para acontecer. “Mas isso não é uma particularidade do Brasil. No mundo inteiro, isso ocorre muito pela normalização da dor, pelo menosprezo da dor da mulher. E com certeza isso afeta a saúde mental dessas mulheres, é um misto de frustração, ansiedade, depressão. Uma mulher com dor crônica acaba passando por esse ciclo vicioso”, afirma Patrick Bellelis, ginecologista especialista em endometriose e colaborador do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
Infelizmente, é comum que mulheres com endometriose passem anos sentindo dores intensas sem ter um diagnóstico. Essa normalização da dor – que muitas vezes é subestimada pelos próprios profissionais de saúde – pode causar prejuízos psicológicos, emocionais, sociais e profissionais.
Principais impactos na saúde mental
A endometriose pode causar diversos impactos na saúde mental, incluindo aumento de estresse, ansiedade e depressão.
“Isso ocorre principalmente devido à dor crônica, que é uma característica marcante da doença, afetando profundamente a qualidade de vida das pacientes. A jornada muitas vezes longa e frustrante para obter um diagnóstico correto e tratamento eficaz também contribui significativamente para o sofrimento emocional. Questões relacionadas à fertilidade e autoestima, exacerbadas pelos sintomas da doença, podem gerar um peso emocional adicional. Essa complexa interação de fatores físicos e emocionais sublinha a importância de considerar a saúde mental como uma parte integral do tratamento da endometriose”, explica Luana Brito, psicóloga clínica e perinatal.
Além disso, a especialista afirma que a doença pode tanto aumentar o risco de transtornos psíquicos como exacerbar essas condições em que já convive com elas. “A relação entre dor crônica e saúde mental é bem documentada, e no caso da endometriose, essa dor, juntamente com as dificuldades diagnósticas, incertezas sobre a fertilidade e impactos na vida pessoal, pode criar um terreno fértil para o desenvolvimento ou agravamento de problemas de saúde mental.”
“Mulheres diagnosticadas
frequentemente sentem dores intensas e desconforto crônico que podem
desencadear uma série de desafios emocionais. Em muitos casos, sofrem
perdas significativas em seu círculo social devido à dor ou às
limitações decorrentes da doença, impactando até seu rendimento no
trabalho. Essas perdas a curto e médio prazo podem se tornar
irreversíveis, por isso o acompanhamento psicológico é tão importante
quanto o acompanhamento ginecológico” afirma o dr. Patrick.
Prejuízos na vida social e profissional
Conviver com uma doença como a endometriose pode afetar diretamente a vida social e profissional. A dor pode ser incapacitante, o que muitas vezes impede a pessoa de trabalhar e de participar de atividades sociais normalmente. E por se tratar de uma condição crônica, esse é um problema que pode se prolongar por anos, até que se consiga o tratamento adequado e melhor manejo da doença e dos sintomas.
“São mulheres que, desde a adolescência, podem deixar de fazer atividades com seus amigos, suas amigas, namorados, seus parceiros, por questões de dor. São mulheres que vão ao pronto atendimento frequentemente em busca de um anestésico mais potente, por conta da dor. São mulheres que, muitas vezes, por questão de ansiedade e depressão, não sentem vontade de fazer um programa social. São mulheres que, muitas vezes, não conseguem atingir o seu melhor resultado na escola, faculdade, trabalho, por tudo que envolve essa doença”, destaca o médico.
“A necessidade de tratamentos frequentes e a fadiga podem resultar em absenteísmo e dificuldades em manter o desempenho no trabalho. Socialmente, a dor e o desconforto podem diminuir a disposição para interações sociais, levando ao isolamento e à perda de apoio social. O entendimento e a flexibilidade no ambiente de trabalho e apoio dos amigos e familiares são fundamentais para ajudar as pacientes a lidar com esses desafios”, orienta a psicóloga.
Por isso, é fundamental que a dor não seja normalizada. A menstruação, de forma geral, pode sim causar alguns desconfortos, mas viver com dores intensas e incapacitantes não é normal. É muito importante que as pessoas próximas sejam acolhedoras e empáticas nesse sentido, e que os profissionais de saúde saibam ouvir e validar o sofrimento das pacientes.
“O ciclo de apoio é muito importante para que essa mulher consiga ter sucesso no tratamento e consiga manter suas atividades diárias”, completa o dr. Patrick.
Importância do suporte psicológico
O acompanhamento psicológico é fundamental para quem convive com a endometriose, especialmente nos casos mais graves, pois ajuda a lidar com a dor crônica, o estresse emocional e os impactos na autoestima e relações interpessoais, conforme explica Luana. “Um psicólogo pode fornecer estratégias para o manejo da dor, além de apoio emocional, ajudando as pacientes a enfrentar os desafios impostos pela doença. Este suporte é um componente chave no tratamento integral da endometriose, visando melhorar a qualidade de vida e a saúde mental das pacientes.”
Além do tratamento de saúde mental, pacientes com a doença devem praticar técnicas de manejo do estresse e buscar manter uma rede de apoio social forte. “Participar de grupos de apoio pode ser especialmente útil para compartilhar experiências e estratégias. Para as pessoas próximas, oferecer um ouvido atento, compreensão e apoio prático no dia a dia são formas valiosas de ajudar. Incentivar a busca por tratamento e respeitar os limites da paciente também são atitudes essenciais para apoiar sua jornada”, recomenda a psicóloga.
O ginecologista destaca a importância do acompanhamento psicológico, mas reforça que isso não substitui o acompanhamento médico. “É indispensável manter uma comunicação aberta com seu ginecologista, pois só assim será possível obter um tratamento de acordo com as suas necessidades individuais para uma melhor qualidade de vida e bem-estar emocional.”
Tratamento e acompanhamento geral da endometriose
A endometriose é considerada uma
doença crônica. O médico explica que, na maioria dos casos, o tratamento
é clínico, com uso de hormônios, mas também com associação de outras
medidas e auxílio de profissionais que vão variar de acordo com o caso e
os sintomas de cada paciente. Assim, o acompanhamento pode envolver
outros profissionais além do ginecologista, como psicólogo,
nutricionista, fisioterapeuta e psiquiatra, por exemplo.
Quando há indicação, o tratamento pode ser cirúrgico. “Para aquelas mulheres que foram submetidas a um tratamento cirúrgico, um bom tratamento cirúrgico apresenta taxa de recidiva baixas. No entanto, essas taxas de recidiva nunca serão zero. Então, apesar das baixas, a gente precisa fazer um acompanhamento de maneira crônica. Inicialmente, nos primeiros anos pós-cirúrgicos, a gente faz acompanhamento de imagem semestral e, após um período, a gente acaba fazendo anual”, esclarece o especialista.
Medidas que ajudam a lidar com a doença
Além do acompanhamento psicológico, que pode ser muito importante para quem convive com a doença, o dr. Patrick lista alguns cuidados que podem ser benéficos para pacientes com endometriose, ajudando a aumentar o bem-estar e melhorar a qualidade de vida:
- Pratique exercícios físicos: ao se exercitar, o corpo produz substâncias que ajudam a inibir a dor e aumentam o bem-estar. Priorize atividades de menor impacto, como caminhadas, natação ou ioga, por exemplo, que ajudam a fortalecer os músculos e aliviam a tensão;
- Procure dormir bem: o sono é fundamental para saúde mental e física e também pode contribuir para a gestão da dor associada à endometriose. Mantenha uma rotina de sono e considere técnicas de relaxamento antes de dormir;
- Faça atividades relaxantes: esse hábito pode ajudar na redução do estresse, que pode estar associado ao agravamento dos sintomas. Técnicas de respiração e meditação podem ajudar;
- Mantenha uma alimentação balanceada:
é importante manter uma alimentação saudável, priorizando alimentos
ricos em antioxidantes e anti-inflamatórios e evitando o excesso de
álcool, carne vermelha e gordura trans, pois podem afetar o inchaço
pélvico e a dor crônica causados pela endometriose. Se possível, tenha
um acompanhamento nutricional para avaliação individualizada.
Como é conviver com a endometriose
A psicóloga Luana Brito não entende do assunto apenas por conta de seu trabalho. Ela foi diagnosticada com endometriose em 2019, mas sentiu dores intensas por vários anos antes de chegar ao diagnóstico. Em seu caso, a doença também levou a um quadro de infertilidade.
“Por várias vezes eu relatei aos ginecologistas que me acompanharam durante anos que eu sentia cólica. No primeiro dia de menstruação, eu ficava de cama, não conseguia fazer nenhuma atividade, comumente tomava alguma medicação e passava o dia deitada, indisposta. E todo mundo falava que era normal, fazia parte da menstruação, era cólica menstrual e passava alguma medicação para dor e tava tudo certo, e por muitos anos foi dessa maneira”, relata.
Somente depois de alguns episódios de
dor tão intensa que a levaram ao pronto-atendimento, sendo que em um
deles Luana chegou a desmaiar de dor, é que a doença foi identificada.
“Depois que eu descobri de fato o diagnóstico da endometriose, eu
comecei a fazer o tratamento. Eu precisei fazer uma cirurgia porque a
minha endometriose era profunda, atingia inclusive o intestino, tive que
tirar parte do meu intestino. E durante esse processo eu entendi que o
tratamento tinha que ser integral, que não bastava só ir ao médico, mas
que eu tinha que também ter um acompanhamento com nutricionista, tinha
que mudar meu estilo de vida, além disso fazer acompanhamento
psicoterapêutico – que eu já fazia, mas era um tema que não era abordado
na minha terapia porque até então eu achava que fazia parte [da
menstruação] e depois eu fui entender todas as repercussões que o
diagnóstico de endometriose trouxe junto, porque foi o medo, as
incertezas sobre inclusive engravidar, incertezas do tratamento”,
conta.
A partir de sua experiência pessoal, a psicóloga passou a estudar mais sobre o tema e acabou direcionando seus atendimentos para esse público de mulheres, a fim de oferecer um atendimento mais próximo e com mais acolhimento. Hoje ela atende pacientes com diagnóstico de endometriose, infertilidade, gestantes e em mulheres em período pós-parto.
“Hoje como eu lido com isso estudando
cada vez mais sobre o assunto para ajudar outras mulheres, mas não só
isso. Eu também faço um acompanhamento integral multidisciplinar, com
nutricionistas, psicólogos e sigo fazendo o acompanhamento com o
ginecologista especializado. Fiz uma mudança de estilo de vida também.
Então, é um acompanhamento e um cuidado que vai ser para o resto da
vida. Hoje, pós-cirurgia, eu não tenho mais essas dores. O meu caso foi
um caso até então de sucesso, relacionado à dor pelo menos. Mas sigo em
vigilância, sempre tendo esse cuidado com a saúde”, finaliza Luana.
FONTE: https://drauziovarella.uol.com.br/
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