Atualizado: 27 de jan. de 2021
Inúmeras pesquisas na área da antropologia jurídica, da sociologia jurídica e psicologia social indicam “a forte tendência, que notamos na atualidade, de reduzir questões da esfera político-social a concepções individualizantes, enquadrando desvios e tensões no processo de judicialização do viver.”(1)
Os conflitos oriundos das relações sociais, que outrora eram resolvidos em espaços privados, ultrapassam essa esfera e se proliferam no espaço público marcado pela figura da autoridade e da dicotomia entre certo/errado: o Poder Judiciário. Historicamente, a função primordial do Poder Judiciário está atrelada à pacificação das relações sociais, contudo, processos sociais complexos desaguaram em uma descrença quanto aos demais poderes que compõem a República – Executivo e Legislativo, cabendo ao Poder Judiciário a forte alcunha de “muro das lamentações do mundo moderno”(2).
Após a promulgação da Constituição Federal, o Direito à Saúde é compreendido como um direito ao mesmo tempo social e individual, cuja materialização se deu com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), projeto que assume e consagra os princípios da Universalidade, Equidade e Integralidade da atenção à saúde da população (3). Ocorre que para a consolidação do SUS há uma tensão permanente entre os avanços alcançados, os retrocessos e as barreiras que surgem diuturnamente. Uma dessas barreiras, é a judicialização da saúde.
Diversas são as causas atribuídas à esse fenômeno, sendo as cinco comuns (4): a) Interpretação extensiva do art.196 da Constituição Federal;
b) Formação médica no Brasil, que é voltada para o exercício profissional liberal, distante das necessidades da saúde pública;
c) Concepção de que as políticas públicas são ruins ou os investimentos, insuficientes; d) A ideia de que a Medicina é um bem de mercado e a Saúde um bem de consumo;
e) Omissão do julgador, que se esconde na falácia da inquestionabilidade da prescrição médica para deferir todos os pedidos, sem analisar se são devidos e se estão respaldados pela medicina baseada em evidências.
Nesse contexto e após a resolução 41 da Comissão Intergestores Tripartite (5) publicada em 24 de novembro de 2018, que dispõe acerca dos Cuidados Paliativos no SUS, surge o seguinte problema: Se a saúde é um direito de todos, o cidadão brasileiro pode buscar o Poder Judiciário para ter acesso aos Cuidados Paliativos, quando o mesmo for negado pelas instituições, gestores e/ou profissionais?
Em agosto de 2017, a Organização Mundial de Saúde publicou um novo conceito de Cuidados Paliativos, entendidos agora como “uma abordagem de melhora a qualidade de vida dos pacientes (adultos ou crianças) e de seus familiares que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a vida. Previne e alivia sofrimento por meio da investigação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas ‘físicos, psicossociais ou espirituais” (6).
Ora, se a saúde é, segundo a própria OMS “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (7), poderia o Poder Judiciário brasileiro indeferir um pedido de internação, home care ou tratamento cujo objetivo não seja curativo? Em outras palavras, a judicialização da saúde no Brasil alicerça-se na perspectiva da cura?
Essas questões ainda são pouco estudadas e enfrentadas pelos Operadores do Direito o que, na prática, significa que nosso desconhecimento poderá gerar um tratamento desigual na efetivação do Direito à Saúde por meio da judicialização.
Particularmente, entendo que precisamos rever nosso modelo de judicialização da saúde pois o excesso de demandas individuais tem sobrecarregado o Poder Judiciário e ruído com a dimensão do direito social à saúde, em mais uma demonstração do individualismo que permeia as relações contemporâneas. Sou bastante favorável à medicina baseada em evidências, e as evidências científicas demonstram a importância dos Cuidados Paliativos na qualidade da assistência de saúde.
Assim, é preciso compreender que a garantia do Direito à Saúde deve visar a qualidade de vida do paciente e não exclusivamente a possibilidade de sobrevida ou de retorno ao status quo ante. Afinal, o dever maior dos profissionais e instituições de saúde é cuidar do paciente, e o cuidado deve ser prestado para todos, inclusive para os pacientes cuja patologia não tem cura.
1. BRITO, Leila Maria Torraca de; OLIVEIRA, Camilla Felix Barbosa de. Judicialização da Vida na Contemporaneidade. In: Psicologia: Ciência e profissão. 2013, 33 (núm. esp.), 78-89. 2. BURGOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins; VIANNA, Luiz Werneck. Dezessete anos de judicialização da política. Tempo soc. [online]. 2007, vol.19, n.2, p.39-85. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702007000200002. Acesso em 04 nov. 2019. 3. Teixeira, C. Os princípios do Sistema Único de Saúde. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/pdf/OS_PRINCIPIOS_DO_SUS.pdf Acesso em 04 nov. 2019. 4. Nogueira JL, Carvalho L, Dadalto L. Parcerias entre Universidades e Poder Judiciário: experiência de Minas Gerais. Revista Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário. 2017 jan./mar, 6(1): 55-71. 5. Resolução 41 da Comissão Intergestores Tripartite. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/novembro/23/RESOLUCAO-N41.pdf. Acesso em 04 nov. 2019. 6. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Paliative care. Disponível: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs402/en/. Acesso em 04 nov. 2019 7. Organização Mundial da Saúde. Constituição da Organização Mundial da Saúde. Documentos básicos, suplemento da 45ª edição, outubro de 2006. Disponível em espanhol em: http://www.who.int/governance/eb/who_constitution_sp.pdf. Acesso em 04 nov. 2019.
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abs
Carla
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