Disfagia na Infância: o que é, como diagnosticar e tratar?
Entenda os diferentes tipos de disfagia, suas principais causas, os métodos de avaliação e a importância de uma equipe multidisciplinar para o tratamento.
A deglutição é um processo dinâmico, de controle neuromuscular, compreendido por quatro fases. São elas:
- pré-oral,
- oral,
- faríngea e
- esofágica.
As duas primeiras são voluntárias e as demais involuntárias. Qualquer distúrbio no controle da deglutição pode acarretar em situações de risco ao paciente, como risco de aspiração pulmonar do alimento ou casos de acometimento nutricional. A identificação e o controle do distúrbio da deglutição devem ser trabalhados de maneira interdisciplinar, com auxilio dos avanços tecnológicos e aprimoramento das equipes que atuam com esses pacientes.1
Para uma deglutição correta, é necessário um funcionamento complexo dos diversos controles das quatro fases, antes, durante e após a deglutição, para transportar os alimentos da cavidade oral até o estômago. Qualquer comprometimento em uma dessas fases pode gerar dificuldade de deglutir, também chamada de disfagia. 1, 2 Esse será o tema abordado neste material.
DISFAGIA: PATOGÊNESE/ETIOLOGIA
A disfagia pode ser neurogênica ou mecânica.
A Disfagia Neurogênica engloba, de maneira geral, pacientes com alguma doença neurológica (encefalopatias crônicas, paralisias cerebrais, síndromes, tumores cerebrais, doenças neuromusculares degenerativas).
Já a Disfagia Mecânica consiste em afecções na estrutura facial e aerodigestiva. Alguns exemplos são defeitos congênitos craniofaciais, sendo mais comuns as fissuras palatinas, além de anomalias congênitas do intestino, fístulas traqueoesofágicas congênitas ou traumáticas ou ainda iatrogênicas, hérnia diafragmática e refluxo gastroesofágico. 1
CAUSAS: Causas não estruturais e de disfunção precisam também ser consideradas. Como exemplo, a compressão externa no esôfago devido à pressão da traqueia ou do brônquio esquerdo, por consequência de anel vascular ou por aumento de câmaras cardíacas.4 Em quadros de disfagia aguda na infância, deve-se considerar processos infecciosos e inflamatórios, que por conta de dor e presença de secreção espessa acometendo vias aéreas, atrapalham a respiração nasal e, consequentemente, a deglutição. E não podemos nos esquecer de corpos estranhos na via aerodigestiva.
FATORES DE RISCO: Prematuridade, baixo peso ao nascimento, anomalias congênitas, asfixia perinatal, sepse, necessidade de cirurgia já nos primeiros meses de vida, internação prolongada, necessidade de UTI neonatal ou pediátrica são fatores de risco importantes na infância e que podem acompanhar a criança por longo período, levando a consequências para o desenvolvimento e para habilidades neuropsicomotoras, inclusive contribuindo na recusa alimentar por parte da criança, o que pode tornar-se um enigma complexo para profissionais da saúde que lidam com distúrbios da alimentação. 4
MANIFESTAÇÕES DA DISFAGIA
Nas manifestações da disfagia, são observados alguns sintomas comuns:
- náuseas e vômitos,
- recusa alimentar,
- irritabilidade durante a alimentação,
- escape oral,
- regurgitação nasal,
- tosse durante a alimentação,
- engasgos
- e até sufocamento com cianose. 1
Se na consulta com o pediatra for observada babação – e não necessariamente sialorréia -, principalmente em crianças hígidas, é essencial avaliar o padrão respiratório, pois isso pode ocorrer em alguns casos de hipertrofia de cornetos nasais e/ou hipertrofia adenoideana e/ou amigdaliana, que acarretam padrão respiratório oral com hipotonia da musculatura orofacial. Nesses casos, encaminhar ao médico otorrinolaringologista para uma avaliação criteriosa.
COMO AVALIAR A DISFAGIA?
A disfagia requer uma avaliação cuidadosa da integridade estrutural do aparelho aerodigestivo, funções dos pares de nervos cranianos (V, VII, IX, X, XI, XII) e do estado respiratório das vias aéreas. Fatores pré-natais e antecedentes precisam ser explorados, pois, provavelmente, podem ser desencadeantes. Fatores de risco predisponentes e diagnósticos alternativos devem ser excluídos. 4
Fonoaudiólogos têm papel fundamental na avaliação e na conduta dos pacientes com disfagia. A Avaliação Clínica Fonoaudiológica (ACF), por um profissional capacitado em disfagia, consistirá em uma criteriosa avaliação morfofuncional da deglutição. E, caso isso ocorra em conjunto com um otorrinolaringologista treinado para a realização da Videoendoscopia da Deglutição (VED) na criança, melhor ainda será a conduta para o paciente disfágico. 2,5
Durante a realização da VED, concomitantemente, é necessário avaliar como está sendo o comportamento da criança diante da oferta do alimento e como está ocorrendo a mastigação ou sucção, a coordenação destes atos e o vedamento labial através do padrão morfofuncional da musculatura orofacial. Além disso, deve-se avaliar a dentição do paciente de acordo com a faixa etária.
É necessária uma avaliação criteriosa, com cuidado e paciência por parte do executor do exame (otorrinolaringologista), de quem está ofertando o alimento (ideal a presença do fonoaudiólogo), e de quem está acompanhando a criança. Observar se o paciente faz pausas respiratórias durante o exame, com dispneia ou cansaço, se há engasgo, tosse, e, caso o paciente seja traqueostomizado, se há saída de alimento ou saliva pela traqueostomia. 1,3
Antes de executar a VED, sempre orientar o responsável de como será realizado o exame e explicar sobre sua importância. Trata-se de um exame seguro, que pode ser realizado em qualquer faixa etária, em pacientes andantes, cadeirantes ou acamados, além de ser pouco invasivo e sem radiação. É necessário que o exame seja feito sem anestesia e sem vasoconstritor tópico, pois isso influenciaria na sensibilidade da deglutição e aumentaria riscos de aspiração. Ele deve ser seja executado com a criança sentada no colo do responsável na cadeira otorrinolaringológica (caso a criança seja cadeirante e maior de 5 anos, realiza-se na própria cadeira do paciente, mas com o responsável apoiando a cabeça da criança, pois provavelmente ela se mexerá durante o exame). Orientar os acompanhantes de que a criança, na maioria dos casos, chorará no início do exame, mas é um exame seguro e que não machuca. Crianças maiores e/ou colaborativas podem fazer o exame sentadas sozinhas na cadeira otorrinolaringológica. 6
PROGNÓSTICO
Por meio dos achados da ACF e da VED, a equipe treinada tem como função realizar adequações na dieta alimentar da criança e definir a gravidade da disfagia (deglutição normal, disfagia leve, disfagia moderada ou disfagia grave). Com o objetivo de diminuir manifestações da disfagia e prevenir complicações, a equipe desenvolverá manobras compensatórias apropriadas para a alimentação e adequação da consistência e volume da oferta do alimento, sendo fundamental o acompanhamento com otorrinolaringologista e fonoaudiólogo, além de terapia fonoaudiólogica nos casos de disfagia. 2
CONCLUSÃO
A avaliação criteriosa da disfagia definirá a via de oferta da dieta, seja oral, seja via sonda nasoenteral (geralmente temporária, nos casos de disfagia grave) ou via gastrostomia. Importante manter atenção ao aporte nutricional, com avaliação e acompanhamento tanto de um médico nutrólogo, quanto de um nutricionista. Outros profissionais importantes para a avaliação do paciente são o pneumologista, intensivista, fisiatra, gastroenterologista, neurologista, fisioterapeuta e a equipe de enfermagem.
Reforçamos, aqui, a necessidade da multidisciplinaridade, com uma equipe treinada e capacitada. O papel do médico e profissional de saúde que atende pacientes com fatores de riscos para disfagia é estar atento e evitar o subdiagnóstico. A criança disfágica merece cuidado e atenção especial para sua melhor evolução, com base em uma terapia individualiza; caso isso não ocorra, haverá comprometimento do seu prognóstico, desenvolvimento e qualidade de vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- LEMOS, E. M.; FÚRIA, C. L. B.; SANTORO, P. P. Distúrbios de Deglutição. DI FRANCESCO, R. C.; BENTO, R. F. Otorrinolaringologia na Infância. 2.ed. São Paulo: Manole, 2012. cap.18, p.197-207.
- QUEIROZ, M. A. D. S. D. et al. Avaliação clínica e objetiva da deglutição em crianças com paralisia cerebral. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 210-214, jun./set. 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342011000200016>. Acesso em: 02 abr. 2018.
- MANRIQUE, Dayse; MELO, Erich C.M.; BÜHLER, Rogério B.. Alterações nasofibrolaringoscópicas da deglutição na encefalopatia crônica não-progressiva. Jornal de Pediatria, Rio de janeiro, v. 77, n. 1, p. 67-70. 2002.
- BIREME. Dysphagia in the high-risk infant: potential factors and mechanisms. Disponível em: <https://doi.org/10.3945/ajcn.115.110106>. Acesso em: 05 abr. 2018.
- BIREME. Deglutição em crianças com alterações neurológicas: avaliação clínica e videofluoroscópica. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/s0104-56872008000400005>. Acesso em: 05 abr. 2018.
- RESENDE, J.R; DI FRANCESCO, R. Particularidades da avaliação da criança. In:TSUJI, D. H. et al. (Orgs.). Videonasofibrolaringoscopia: Fundamentos Teóricos – Aplicação Prática – Protocolos de Avaliação. 1.ed. São Paulo: Thieme Revinter, 2017. cap.5, p.71-75.
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