Publicado em: 17/07/2024
Revisado em: 16/07/2024
Consulta pública avalia incorporação da terapia tripla em spray em um único dispositivo, tratamento que une três medicações no mesmo inalador, na rede pública de saúde. Entenda.
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma condição caracterizada por sintomas como dificuldade para respirar, falta de ar, tosse seca ou produtiva e, em muitos casos, perda da capacidade de realizar as atividades cotidianas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a DPOC é a terceira causa de mortes no mundo. Em 2019, foram mais de 3 milhões de óbitos decorrentes da doença.¹ No Brasil, em 2022, foram registradas mais de 37 mil mortes por DPOC.²
Apesar da alta prevalência e da gravidade do problema, o levantamento “Retrato da DPOC na visão dos brasileiros”, realizado pela biofarmacêutica Chiesi em parceria com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) revelou que 26% dos entrevistados desconhecem o significado da sigla DPOC e mais da metade não busca atendimento quando apresenta sintomas relacionados à doença.³
Embora o tratamento da DPOC exija o uso de medicações de forma contínua, pelo caráter crônico e progressivo da doença, 30% dos pacientes relataram já ter abandonado o tratamento sem consentimento médico, enquanto 24% interromperam o tratamento ao notar melhora dos sintomas. Outros 55% declararam que o preço dos medicamentos é uma barreira para o tratamento e 16% interromperam a terapia por questões financeiras. A pesquisa ouviu 2.141 pessoas –entre pacientes (274), cuidadores (55) e população (1812) – em todas as regiões do país.
Para ampliar a oferta de tratamentos no SUS para o paciente com DPOC grave, está aberta uma consulta pública para avaliar a inclusão da terapia tripla em spray em um único dispositivo no SUS, que pode ser acessada através deste link. Qualquer cidadão – pacientes, cuidadores, médicos e população – pode participar dando sua opinião, relatando sua experiência de uso do medicamento ou compartilhando evidências sobre o tema até o dia 05 de agosto, através do formulário. O passo a passo para participar da consulta pública está no final da matéria.
Segundo Margareth Dalcolmo, pneumologista, presidente da SBPT e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a terapia tripla em spray em dispositivo único consiste na associação de três medicamentos em um mesmo inalador – um broncodilatador, um corticoide inalatório, com ação anti-inflamatória, e um antimuscarínico.
Terapia tripla em dispositivo único e a importância de ampliar tratamentos no SUS
A terapia tripla em dispositivo único, também chamada de terapia tripla fixa, se diferencia dos demais tratamentos justamente pela junção das três medicações em um mesmo dispositivo inalatório, oferecendo conforto e praticidade aos pacientes. “Não há dúvida de que a terapia tripla spray em dispositivo único tem muitas vantagens, inclusive, sobre a [terapia] dupla, que já representou uma evolução dos dispositivos inalatórios. Nossa expectativa é que a terapia tripla em spray em um único dispositivo possa ser incorporada para facilitar o acesso a milhares de brasileiros que necessitam do tratamento”, afirma a dra. Margareth. O dispositivo inalatório em spray facilita o uso da medicação pelos pacientes que, devido à progressão da doença, têm dificuldade de inspirar.
Além do problema central, que é a falta de acesso às diferentes medicações, outro ponto de atenção é que pessoas em tratamento de DPOC às vezes precisam buscar as medicações fornecidas na rede pública em lugares diferentes, o que é difícil por questões financeiras e de mobilidade, especialmente no caso de quem tem a forma mais grave da doença.
“Um paciente com DPOC bem orientado, bem acompanhado em um serviço de pneumologia especializado, seguramente pode ter sua autonomia, seja ela absoluta ou relativa, assegurada pelo acesso a esses medicamentos. Em termos de custo, certamente será muito facilitado na medida em que a terapia tripla spray em dispositivo único for incorporada pelo SUS. Facilitar o acesso e o uso da própria medicação, associando diferentes medicamentos em um único dispositivo, impactaria muito a vida dos pacientes, tanto em qualidade, quanto em redução dos custos com saúde no orçamento familiar, somado ao impacto indireto nos custos com hospitalização decorrentes das exacerbações que pacientes podem sofrer quando não aderem adequadamente ao tratamento. Além disso, em última análise, tudo isso facilitaria muito o descarte desses dispositivos, que é uma outra grande preocupação que nós temos”, completa a médica.
Ouça: DPOC é um problema de saúde pública – DrauzioCast #215
Consulta pública para inclusão da terapia tripla fixa no SUS
A biofarmacêutica Chiesi submeteu, em outubro de 2023, um dossiê à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) para solicitar a inclusão da terapia tripla em spray em um único dispositivo no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de tratamento da DPOC. Após a análise do dossiê, a Conitec abriu a consulta pública para ouvir a opinião de toda a sociedade sobre a incorporação do medicamento no SUS.
Hoje, no Brasil, somente três estados disponibilizam a terapia tripla em dispositivo único na rede pública: Minas Gerais, Pernambuco e Goiás. Recentemente, o Conselho Estadual de Saúde de São Paulo também recomendou a incorporação da tecnologia tripla em spray em dispositivo único na rede pública do estado.
A consulta pública é uma ferramenta que busca promover o diálogo entre o poder público e os cidadãos. Segundo informações do Ministério da Saúde, a consulta pública “é um mecanismo de participação social, de caráter consultivo, realizado com prazo definido e aberto a qualquer interessado, com o objetivo de receber contribuições sobre determinado assunto. Incentiva a participação da sociedade na tomada de decisões relativas à formulação e definição de políticas públicas”.⁴
“Para essa consulta pública, a nossa expectativa, a exemplo de outras das quais nós temos participado com muita frequência, [é de que] será muito importante ter o depoimento de pacientes que já fazem uso da terapia tripla em spray em um único dispositivo, dizendo com toda a franqueza qual é a modificação da qualidade da sua vida, o impacto que teve, qual é a expectativa que eles têm. E dos profissionais de saúde, sobretudo dos especialistas, isto é, dos pneumologistas, clínicos que eventualmente fazem diagnóstico e demais profissionais de saúde que trabalham nas equipes das unidades básicas e têm contato com o dia a dia desses pacientes . E nós sabemos que o número de pacientes que são avaliados adequadamente para o diagnóstico de DPOC com espirometria [teste que mede a quantidade de ar que entre e sai dos pulmões], para boa determinação do tratamento, ainda está, infelizmente, muito longe do ideal no Brasil”, afirma a pneumologista.
“Sendo uma doença com impacto direto na família, eu entendo que todos são elegíveis para participar da consulta pública, até porque a participação social é um dos pilares de uma sociedade democrática. A participação na consulta pública pode trazer nuances não tão frequentemente abordadas, que são as nuances do impacto para além da vida do paciente”, destaca Gustavo San Martin, diretor-executivo da Associação Crônicos do Dia Dia.
Porém, ele pontua que não se pode esperar que as pautas e futuras incorporações no SUS sejam orientadas apenas com base nesse termômetro social. “Estamos falando de um perfil de paciente que não acessa tanto a internet quanto os muitos jovens, de familiares que acabam desconhecendo até o próprio processo de participação social, que é um processo de certa forma trabalhoso. A contribuição é fundamental, mas mais do que isso, precisa ser uma contribuição qualificada, não só da parte desse paciente que está ali se colocando como depoente, mas também dos próprios membros da Conitec, que podem absorver muito dessa experiência individual e tentar transpor isso para uma realidade coletiva e de pessoas do Ministério da Saúde, porque não faltam dados. Nós estamos falando da terceira maior causa de morte no planeta e, por mais que a contribuição à consulta pública traga nuances individuais, a gente precisa ter um olhar coletivo para uma doença tão expressiva e impactante na nossa sociedade.”
Diagnóstico e impactos da DPOC na vida dos pacientes
O diagnóstico da DPOC é feito com base na avaliação clínica do paciente. “É feita [também] uma espirometria, que é um exame que mede a capacidade funcional do pulmão, verificando o quanto a pessoa tem de reserva de ar e se ela retém ou não retém gás carbônico e aí se estabelece a melhor terapia, para evitar que a pessoa fique buscando atendimentos eventuais em emergências”, afirma a dra. Margareth.
Segundo a especialista, o impacto da DPOC na qualidade de vida é muito grande, pois via de regra essas pessoas ficam impedidas de trabalhar e demandam muita assistência médica. “Coisa que hoje em dia, inclusive, seria totalmente dispensável se eles tivessem acesso com facilidade aos medicamentos. E essa é a razão pela qual nós estamos, pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, da qual eu sou presidente neste mandato, lutando para incorporação nas farmácias do SUS dessas medicações inalatórias destinadas aos pacientes com DPOC”, diz.
Além disso, no caso de pacientes mais graves, a médica destaca que também seria necessário o provimento de oxigênio através de concentradoras domiciliares de oxigênio – o que já é feito por algumas prefeituras e estados, mas ainda de forma muito restrita no país como um todo.
Para Gustavo, o impacto psicológico da doença também merece atenção, já que muitas vezes o diagnóstico traz uma culpabilização muito grande ao paciente. “Estamos falando de pessoas em torno de 40 anos, em sua maioria, que têm família estruturada, filhos, enfim, a própria família recebe o diagnóstico com aquela comoção, mas também com a culpabilização de ‘você poderia ter evitado isso’”, afirma.
Essa culpabilização ocorre porque a maioria dos casos de DPOC é causada pelo tabagismo. “A maior parte dos nossos pacientes DPOC é portadora de enfisema pulmonar decorrente do hábito tabágico. Porém, há outra categoria que é a asma brônquica. Então, esse é um outro grupo de pacientes cujo diagnóstico se dá em geral mais cedo, numa outra faixa etária”, explica a médica.
Gustavo destaca também o impacto direto no trabalho, pois além de o paciente precisar se ausentar com frequência ou mesmo ser afastado, existe ainda o estigma e o preconceito social enfrentado nesse ambiente.
Veja também: Qual é a relação entre cigarro e DPOC?
Desafios do tratamento na rede pública
“Quem precisa recorrer à rede pública para acessar o tratamento – basicamente, a grande maioria das pessoas diagnosticadas – se vê ali numa questão que é: tempo e gravidade da doença. Então, acho que o principal desafio, e esse é um desafio para outras patologias, é que a pessoa com o diagnóstico seja rapidamente colocada no sistema e acompanhada, monitorada pelo especialista”, pontua Gustavo.
Quanto mais tempo demorar para que o acompanhamento especializado seja iniciado, maior o risco de o paciente ter exacerbações (crises).
“Outro desafio é esse paciente ter acesso aos tratamentos mais adequados para ele. Cada paciente é único, nem todos conseguem fazer uso do mesmo tipo de tratamento ou dispositivo. E a gente precisa ter várias opções terapêuticas para que cada um tenha a chance de conversar com o próprio tratamento de uma forma mais próxima, mais efetiva. Não é só encaminhar rápido, é poder fazer a escolha medicamentosa ou qualquer ajuste terapêutico antes do paciente piorar. Isso é uma coisa que no SUS a gente ainda vê como um grande desafio”, completa.
“Eu não tenho dúvida de que a dificuldade de acesso aos medicamentos de boa qualidade compromete a qualidade de vida, aumenta a morbidade, aumenta a demanda de consultas médicas e aumenta, sobretudo, o impacto sobre os atendimentos de emergência”, diz a dra. Margareth.
Para Gustavo, existem várias questões que precisam ser levadas em conta, como adesão ao tratamento e questões de saúde mental, além do tratamento mais adequado para cada paciente. “O SUS precisa estar apto a abraçar todas essas questões, seja melhorando a capacitação e educação desse paciente, orientando sobre como usar o tratamento ou tendo a capacidade de identificar que aquele tratamento não é o melhor para ele. Seja qual for a razão, essa dificuldade de acesso acaba aumentando a evasão de tratamento e piorando drasticamente a qualidade de vida das pessoas.”
Gustavo tem esclerose múltipla, uma doença crônica e degenerativa. “Como uma pessoa que hoje tem um protocolo de esclerose múltipla via SUS, um protocolo muito bom – ainda precisa melhorar bastante, mas um protocolo que permite, junto do meu médico, optar pelo tratamento A, B ou C, considerando questões importantes, considerando a minha capacidade de adesão, a minha compreensão de como utilizar o tratamento, enfim –, eu gostaria que as pessoas com DPOC tivessem a mesma coisa que hoje eu tenho: a possibilidade de junto de um médico especialista entender qual o meu perfil enquanto paciente e para qual tratamento eu sou melhor respondedor”, relata. “Então, enquanto a própria terapia tripla fixa ainda não está disponível, eu diminuo o leque de opções, mas ao mesmo tempo eu atraso o acesso desse paciente a um tratamento que possivelmente (para determinados casos) reduziria taxa de exacerbação, logo protegeria o pulmão desse paciente, o que por sua vez teria reflexos positivos na saúde mental se a doença tivesse bem tratada e acompanhada”, completa ele.
Como participar de uma consulta pública
As Consultas Públicas ficam disponíveis na plataforma “Participa + Brasil”. Para participar, é necessário fazer o seguinte passo a passo:
- Acesse o site da Conitec: www.gov.br/conitec;
- Role a página até a área de “Participação Social” e clique em “Consultas Públicas”;
- Escolha a Consulta Pública de seu interesse. Dedique um tempo para ler os materiais disponíveis e entender os detalhes em discussão. Isso ajudará você a tomar uma decisão informada;
- Faça login na plataforma GOV.BR, clicando no botão entrar, localizado no canto superior direito da tela;
- Preencha todas as perguntas do formulário de contribuição e compartilhe suas perspectivas;
- Na 5ª questão, será perguntado como você deseja contribuir. Escolha a sua forma de contribuição;
- No item 19, você pode adicionar comentários sobre a sua opinião;
- No item 22, observe as orientações para anexar documentos, caso tenha.
- Após preencher todos os itens, clique em “Enviar Opinião”;
- Role a página até o final e confirme se está escrito que a sua opinião foi registrada.
Você pode conferir o envio da sua contribuição acessando a Plataforma Participa + Brasil e clicando em “Perfil“. No final da página aparecerão todas as contribuições realizadas pelo CPF utilizado para o login. Caso apareça a mensagem de “sistema em manutenção”, atualize a página, pressionando a tecla “F5”. Se o problema persistir, envie a captura da tela para o e-mail: participacaosocial@presidencia.gov.br com cópia para conitec@saude.gov.br.
Veja também: DPOC: O que é e quais são os avanços no tratamento?
Conteúdo produzido em parceria com a biofarmacêutica Chiesi.
Referências
¹ World Health Organization (WHO) [homepage na internet]. Chronic obstructive pulmonary disease (COPD). 2023 [acesso em 27 março 2024]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/chronic-obstructive-pulmonary-disease-(copd)
² Instituto Nacional do Câncer (Inca) [homepage na internet]. Mortalidade no Brasil – Página com informações da mortalidade no Brasil causada pelo tabagismo. 2022 [acesso em 27 março 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/gestor-e-profissional-de-saude/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-do-tabaco/dados-e-numeros-do-tabagismo/mortalidade-no-brasil
³ Chiesi [homepage na internet]. Retrato da DPOC na visão dos brasileiros. 2023 [acesso em 27 março 2024]. Disponível em: https://www.chiesi.com.br/o-retrato-da-dpoc-na-visao-dos-brasileiros
⁴ Ministério da Saúde [homepage na internet]. Consultas Públicas [acesso em 27 março 2024]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/consultas-publicas
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abs
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