Em média, a espera para iniciar o tratamento de linfomas na rede pública foi de 77 dias, contra 60 dias na rede privada

O tempo médio para receber o diagnóstico de linfomas no Brasil pode chegar a 149 dias, segundo uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale),
que contou com a participação de 262 pacientes. A demora, segundo
especialistas, é alarmante e impacta diretamente as chances de sucesso
do tratamento e a qualidade de vida dos pacientes com esse tipo de
câncer que aparece no sangue, mais especificamente no sistema linfático.
De acordo com o médico Ricardo Bigni, chefe da Hematologia do
Instituto Nacional de Câncer (Inca), existem mais de 40 tipos diferentes
de linfomas. Os dois mais comuns são o linfoma não-Hodgkin (LNH) e o
linfoma de Hodgkin (LH). Neste ano, no Brasil, são esperados mais de 12
mil novos casos do primeiro tipo e cerca de 3 mil do segundo, segundo o
Inca.
“Os linfomas são um grupo de doenças classificadas como um tipo de
câncer. Eles têm origem no sistema linfático, nos linfonodos, que
trabalham no sistema de defesa, contra infecções, por exemplo”, explica o
hematologista. “Os linfonodos estão espalhados por todo o nosso
organismo, ou seja, a doença pode acontecer em qualquer parte.”
Por isso, os sintomas podem ser variados, segundo Bigni. Mas, de
forma geral, os mais comuns incluem nódulos no pescoço, na região axilar
ou virilha, além de febre, suor profundo à noite e perda de peso.
Um longo processo até o encaminhamento
Segundo o levantamento, 31% dos participantes precisaram passar por
mais de três médicos antes de serem encaminhados a um especialista. Em
média, a espera para iniciar o tratamento na rede pública foi de 77
dias, contra 60 dias na rede privada.
De acordo com Nina Melo, coordenadora de pesquisa e do Observatório de Oncologia
da Abrale, a demora tem causas multifatoriais. Vai desde a falta de
informação por parte da população, no sentido de não reconhecer ou
perceber os sintomas, até a falta de acesso a serviços de saúde.
“No sistema público, por exemplo, os pacientes precisam passar por
toda uma trilha. Primeiro, vão a uma unidade de saúde, com o clínico
geral, que então os encaminha para algum tipo de especialista. Mas esse
encaminhamento, às vezes, leva meses. O acesso a exames diagnósticos,
que vão dizer se é linfoma ou não, (também é complicado). É uma série de
fatores que dificulta”, destaca.
Bigni destaca que o diagnóstico só pode ser confirmado por meio de
uma biópsia, que consiste na retirada de um fragmento do tecido suspeito
para análise em laboratório. Depois disso, ele deve ser encaminhado
para um hematologista.
“No Brasil, esse caminho é bastante demorado e tortuoso. No Inca, a
gente percebe que, em função de ter uma demora muito grande para o
diagnóstico, o paciente chega com uma condição clínica mais avançada,
dificultando o tratamento e, algumas vezes, reduzindo o tempo de cura.”
Acesso a exames e impactos à qualidade de vida
Outro ponto é a dificuldade no acesso a exames de imagem avançados,
que são fundamentais para o estadiamento e acompanhamento da doença. O
PET-Scan, incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) em 2014, ainda não
é realidade para muitos pacientes. Na pesquisa da Abrale, 23,3% dos
entrevistados relataram dificuldades para realizar o exame e outros 3,4%
afirmaram não ter recebido indicação ou explicação sobre sua
necessidade.
O exame deve ser realizado mais de uma vez: no momento do diagnóstico
e para o monitoramento da doença ao longo do tratamento. “É muito comum
que, ao longo da jornada, o paciente precise fazer os exames
rotineiramente. Aí entra essa dificuldade que acontece,
majoritariamente, no sistema público.”
Nina destaca ainda que, apesar dos linfomas terem uma alta taxa de
cura, eles trazem impactos duradouros. O levantamento aponta que 76% dos
entrevistados declararam prejuízos no bem-estar emocional, 72%
enfrentaram efeitos colaterais do tratamento e 71% precisaram recorrer
com frequência a médicos ou hospitais, o que interfere nas tarefas do
dia a dia. Além disso, 67% afirmaram ter impactos na saúde física e 55%
mencionaram dificuldades financeiras.
“É importante ressaltar que grande parte dos diagnósticos ocorre em
adultos jovens, que estão em plena ascensão da vida profissional e
pessoal. Então, é um impacto não só para eles, mas também para todos ao
redor. Não devemos minimizar e subestimar os impactos na qualidade de
vida”, frisa Nina.
Como melhorar?
Segundo Nina, a informação pode ser uma grande aliada no combate aos
linfomas, principalmente no que se refere ao conhecimento sobre os
principais sinais e sintomas e a noção de quando vale buscar ajuda.
Além disso, ela comenta, “é muito importante capacitar as unidades
básicas, que são a porta de entrada para os serviços de saúde, para
saber identificar a doença e encaminhar melhor”.
“(O sistema) pode ter fluxos de encaminhamentos mais assertivos.
Então, pacientes com determinadas características e que têm sintomas que
indicam linfoma, já devem ser encaminhados para um hematologista.
(Estabelecer) tipos de graus de suspeita, para encurtar o
encaminhamento, também pode ser uma solução para ajudar no diagnóstico
precoce’, sugere.
Fonte: Estadão