Publicação
do Ministério da Saúde consolida avanços na estruturação da assistência
farmacêutica em oncologia, mas deixa pendentes definições operacionais
essenciais para a efetividade da política
Após meses de debate e solicitações da sociedade civil e de especialistas, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/MS nº 8.477, de 20 de outubro de 2025, que institui o Componente da Assistência Farmacêutica em Oncologia (AF-Onco) no Sistema Único de Saúde (SUS).
A nova norma regulamenta o
financiamento, aquisição, distribuição e dispensação dos medicamentos
oncológicos no SUS, consolidando uma estrutura específica para garantir a
integralidade do tratamento medicamentoso em oncologia, uma das
diretrizes da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC), prevista na Lei nº 14.758/2023.
Para os fins da Portaria, foi considerado medicamento oncológico
todo fármaco utilizado no tratamento do câncer com mecanismos de ação
que envolvam efeitos citotóxicos diretos sobre células tumorais, a
inibição de sua proliferação ou a modificação do microambiente tumoral,
reduzindo as condições favoráveis à progressão da doença, incluindo, de
forma não exaustiva, agentes citotóxicos, terapias-alvo, imunoterapias,
hormonioterapias, terapias celulares e gênicas, e estratégias
terapêuticas, bem como outras modalidades inovadoras com indicação
oncológica.
Um dos principais avanços é a definição de critérios técnicos e científicos para a priorização das
tecnologias oncológicas, como a gravidade da doença, o ganho de
sobrevida e qualidade de vida, o impacto orçamentário e o nível de
judicialização. Essa etapa antecederá as submissões à Conitec, o que
representa uma mudança significativa no fluxo de incorporação de
medicamentos para o câncer no SUS.
Na prática, o Ministério da Saúde
estabelece que a incorporação de medicamentos oncológicos dependerá da
inclusão prévia na agenda de priorização, no sentido de tornar o
processo mais planejado e menos dependente de demandas externas.
Entidades representativas de pacientes, sociedades científicas e
gestores estaduais e municipais poderão apresentar propostas de
priorização, fortalecendo o diálogo entre os entes.

Entidades representativas de
pacientes, sociedades científicas e gestores estaduais e municipais
poderão apresentar propostas de priorização, fortalecendo o diálogo
entre os entes.
A Portaria também estabelece modelos diferenciados de aquisição, sendo elas, centralizada, por negociação nacional ou descentralizada,
permitindo adequar a logística conforme o tipo e o custo dos
medicamentos. Entre as responsabilidades, os estados e municípios passam
a ter papel fundamental no envio de dados, na contratualização dos
serviços habilitados e na implementação das futuras centrais de diluição
e auditoria prévia da Autorização de Procedimentos Ambulatoriais (APAC) oncológica, que devem ser regulamentadas em até 180 dias.
Para a Abrale, a publicação
representa um marco, já que há meses, as instituições aguardam a
definição do Ministério da Saúde, que solucione por meio dessa
definição, alguns gargalos que têm sido enfrentados no sistema para a
efetividade da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC).
Wilson Follador, presidente da
ISPOR Brasil e membro do Grupo de Acesso ao Tratamento do movimento
Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC), aponta alguns importantes aspectos
da Portaria:
Avanços Importantes
- Centralização e padronização da oferta de medicamentos, reduzindo desigualdades regionais e aumento da equidade.
- Cuidado
integral, pois vincula o fornecimento de medicamentos à linha de
cuidado oncológica, promovendo abordagem multiprofissional.
- Base
financeira clara, uma vez que define critérios de ressarcimento da
União, conferindo previsibilidade orçamentária e segurança jurídica.
Fatores de Atenção
- Implementação eficientes, as estruturas administrativas devem ser operacionalizadas com agilidade e competência técnica.
- Normas
Complementares, ainda é necessário que se tenha regulamentações
detalhadas, com o esclarecimento sobre os fluxos operacionais.
- Coordenação federativa para o trabalho de forma integrada e colaborativa.
- Cronograma
indefinido, ausência de prazos claros compromete execução uniforme das
medidas nos estados e municípios, além da exigência de realizar acordos
em comissões tripartite pode atrasar a liberação das terapias.
No entanto, a normativa ainda exige atenção à regulamentação operacional e à definição do fluxo de priorização.
Para Tiago Farina,
membro do GT de Políticas Públicas do Movimento Todos Juntos contra o
Câncer, há um risco das submissões externas de medicamentos à CONITEC
deixarem de existir.
“Existem pontos que
demonstram que o Ministério da Saúde praticamente “desidratou” as
submissões externas para a Conitec de medicamentos oncológicos. Não
seria possível impedir submissões externas (previsto em Lei), mas elas
devem deixar de existir.”
A Portaria já trouxe critérios mais objetivos para priorização, que devem ser ainda mais detalhados na regulamentação,
Para Luana Lima,
Coordenadora do movimento TJCC e gerente de políticas e advocacy da
Abrale, ainda segue pendente uma solução imediata para os medicamentos
já incorporados e sem garantia efetiva de acesso, questão urgente
apontada por entidades de pacientes e especialistas há muitos anos.
“A garantia de acesso aos
medicamentos incorporados, com a devida operacionalização, já poderia
ter sido assegurada por meio da Portaria. No entanto, seguimos sem essa
definição — assim como sem o estabelecimento de prazos. Trata-se de um
tema que vem sendo debatido no Legislativo, por meio de diversos
projetos de lei, e que poderia ter sido uma das principais resoluções da
norma. É inaceitável que o paciente continue a aguardar por mais de 180
dias.”
A normativa também estabelece um novo
modelo de Autorização de Procedimento Ambulatorial de Alta
Complexidade/Custo APAC exclusivamente relacionado a medicamento
oncológico, que será disposto por meio de ato normativo da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde, a ser publicado no prazo de sessenta dias.
Em conclusão, a Portaria GM/MS nº
8.477/2025 representa um avanço importante na estruturação da política
oncológica do SUS, ao propor diretrizes de racionalização, equidade e
transparência.
Sua efetividade, contudo, dependerá
da capacidade de implementação, da clareza das regulamentações e da
cooperação entre os entes federativos.
Por Políticas Públicas e Advocacy ABRALE