Há cerca de 1 ano, foi sancionada a Lei Nacional de Cuidado Integral em Alzheimer e Outras Demências (14.878/24, autoria Sen. Paulo Paim). Nascida da necessidade de mudança constatada pela sociedade civil, a Lei propõe uma revolução na forma como cuidamos e nos relacionamos com esse que é um dos grandes desafios de saúde pública das nações que conquistam a longevidade.
Há pontos interessantíssimos e tecnicamente precisos no texto da nova norma, como o incentivo à prevenção, ao diagnóstico em tempo oportuno, à atenção aos cuidadores e ao uso da medicina baseada em evidências. A proposta é, sim, de uma verdadeira transformação, uma vez que, nos dias de hoje, a insuficiência no cuidado é escancarada e causadora de ainda mais sofrimento às famílias; um exemplo são as altas taxas de não-diagnóstico de demência no país, apenas 3 em cada 10 casos são diagnosticados!
Com a sanção presidencial em junho de 2024, o SUS passou a ter um compromisso como o executor de grande parte dessa revolução de cuidado proposta na Lei. Uma revolução necessária e urgente!
As dificuldades das pessoas que usam o SUS no acesso ao cuidado digno em Alzheimer e outras formas de demência são, então, conhecidas e os dados recentes mostram bem essa crise – e que algo precisa ser feito. O Relatório Nacional de Demências (ReNaDe), de 2023, corrobora bem com esse cenário de grandes dificuldades: falta de diagnóstico, acesso ao tratamento, apoio às famílias e um plano nacional que organize a assistência.
A realidade do SUS é essa. E para modificá-la contamos com as ações da sociedade civil, como a Coalizão Nacional pelas Demências (CoNaDe) e as entidades científicas e as que representam familiares. A via escolhida para alcançarmos mudanças tem sido a política, com um número crescente de iniciativas ao redor do país.
Mas, e a Saúde Suplementar? Vamos falar de uma perspectiva importante e pouco discutida nos debates sobre Alzheimer no Brasil: como seria o resultado de uma pesquisa nacional que avaliasse a forma como os usuários de planos de saúde com suspeita de déficit cognitivo ou já com demência estabelecida são tratados?
É uma questão bastante instigante. Infelizmente, não há pesquisas que avaliam esse tratamento.
Outra pergunta, e eu teria mais algumas porque o assunto é complexo e ainda, como se vê, pouco explorado: será que as pessoas idosas nessa situação têm algum tipo de tratamento diferenciado, já que suas mensalidades são as mais elevadas e muitos são fiéis “associados” das operadoras há anos? Talvez possa melhorar a questão: há algum bônus, uma vantagem, um “carinho” para quem paga há mais tempo e agora precisa de uma avaliação mais completa, de exames mais sofisticados e de cuidado interdisciplinar?
Só mais alguns pontos: será que os atendimentos prestados às pessoas idosas que vivem com demência e às suas famílias pelas operadoras de saúde no Brasil são satisfatórios? Cumprem os requisitos de qualidade assistencial já estabelecidos? Mesmo com as evidências mostrando a possibilidade de prevenção de demências, há alguma ação nesse sentido?
Infelizmente, penso que as respostas seriam todas negativas ou mostrando que a realidade também não é favorável às famílias que contratam as operadoras. Há elementos que respaldam essa minha percepção.
O modelo de saúde fragmentado oferecido pela maioria delas, com uma escassez de cuidados continuados e de médicos especialistas em geriatria, faz com as famílias percorram caminhos por diversos profissionais e tenham uma demora no diagnóstico adequado.
Em consultas que duram menos de 20, raramente 30 minutos, apenas eventualmente testes cognitivos necessários são feitos e parte significativa dos diagnósticos revelados ganha o rótulo desatualizado de “demência senil”. Momentos para tirar dúvidas, avaliar a capacidade de cuidado, considerar a desprescrição e, quem dera, falar sobre os delicados cuidados paliativos são escassos ou inexistentes.
São raras as operadoras que contam com uma linha de cuidado organizada para transtornos cognitivos. São raras as com geriatras com agenda disponível. São raras as que contam com neurologistas cognitivos. Raras as que ousaram criar uma clínica de memória, ou um simples ambulatório especializado. Os cuidados prestados em emergências ou leitos hospitalares não parecem também adaptados.
E, agora, para encerrar os questionamentos, vem um importante e que pode ajudar na compreensão dos próximos passos: a Lei Nacional de Alzheimer vale também para a Saúde Suplementar? Ela obriga as operadoras a oferecerem um cuidado integral a pessoas que vivem com demência?
Acredito que sim.
A legislação é intrincada e, em diversos momentos, coloca as operadoras no compromisso de cumprir com as premissas da saúde pública na forma como executam seus serviços. Sendo assim, havendo esse cenário de provável insuficiência também na saúde suplementar e um indicativo legal, é hora de uma revolução no cuidado também nos “convênios”.
Assim como houve a crise dos pediatras nos consultórios de planos de saúde (vários se descredenciaram) e as operadoras criaram modelos com tempo maior nas consultas, frequência maior entre elas e remuneração adequada; assim como o cuidado às famílias com transtorno do espectro autista (TEA) desafiou e obrigou-as a se adequarem após uma forte judicialização; assim como os cuidados oncológicos evoluíram e fizeram a relação entre as pessoas e as operadoras ficar muito mais ágil; agora é o momento da saúde suplementar, em especial da agência que a regula (ANS), encarar o desafio do Alzheimer e das outras demências.
Em meio a onda de novas tecnologias, é essencial olhar para o humano no processo de cuidado em demências. Há necessidade de ouvir os médicos especialistas em geriatria e neurologia cognitiva, sem esquecer de pensar em formas mais equilibradas de remuneração.
Sendo assim, o que os clientes, ou usuários, dos planos de saúde podem esperar para que o cuidado melhore? E quando as pessoas com transtorno cognitivo terão uma atenção mais digna?
Acredito que a escolha administrativa de uma operadora de saúde de tomar uma atitude passiva de aguardar a onda de processos judiciais aumentar para depois adotar mudanças é errado, gera mais custos e prolonga o sofrimento. Não é nada inteligente e que combine com o propósito de melhorar a saúde das pessoas.
E falo nisso, de judicialização, porque, com os novos recursos diagnósticos e o aumento nos casos de transtorno cognitivo em adultos no geral, o sistema de saúde suplementar será ainda mais desafiado. Sem uma versão do Plano Nacional de Demências para o segmento – e com as manchetes mostrando os lucros bilionários recentes do setor – será difícil que a judicialização não cresça de maneira astronômica nos próximos meses.
Exames sofisticados e úteis, como o PET cerebral, a avaliação de neuropsicologia específica, as terapias de estímulo cognitivo e os novos medicamentos serão, com certeza, objetos de milhares de ações. Há diretrizes, estudos científicos e aprovação técnica de muitas dessas condutas. Fica difícil justificar não oferecê-las a quem tiver uma indicação médica.
Outro ponto para reflexão é que, sendo o sistema de saúde suplementar reajustado principalmente pela sinistralidade, perderemos, porque pagaremos mais, todos que o usamos caso mudanças não sejam iniciadas. Digo isso porque além da judicialização aumentar custos assistenciais, a falta de organização no cuidado em demência também causa impactos financeiros significativos: cuidando pior, se gasta mais.
As operadoras de saúde precisam oferecer um cuidado melhor às pessoas com transtorno cognitivo leve, às que vivem com demência – em todos seus estágios – e a seus familiares. Sabemos os caminhos, as necessidades e como fazer.
Esperar mais não parece sensato ou justo com as famílias.
Dr. Leandro Minozzo
Médico geriatra associado da SBGG, Prof. de Geriatria da Univ. FEEVALE. Mestre em Educação. Pós-MBA em Liderança. Doutorando em Gerontologia Biomédica. Autor de livros sobre longevidade e Alzheimer. Advocacy em demências. É um dos coordenadores da Conade (Coalizão Nacional em Demências). Idealizador do Plano Estadual de Cuidado Integral de Demências (PECID) do RS.
FONTE :https://febraz.org.br/

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