Em nossa série de reportagens sobre a nova diretriz de manejo do diabetes mellitus (DM) abordamos as principais mudanças que as novas diretrizes da American Diabetes Association (ADA) trouxeram para o manejo clínico do DM. Uma das sessões que mais sofreu modificações foi a de DM na infância e adolescência. Neste artigo vamos abordar apenas o manejo do DM2, que está repleto de mudanças, e em seguida traremos as recomendações para o manejo do DM1 em uma nova postagem.
As últimas duas décadas assistiram a um aumento da incidência de diabetes em pacientes jovens, estimando-se que cerca de 5000 mil novos casos ocorram nessa faixa etária anualmente nos Estados Unidos. As evidências apontam que em pacientes jovens, abaixo dos 20 anos de idade, o DM2 tem um comportamento diferente não só do DM1, mas também do DM2 do adulto, com um declínio mais veloz de células betapancreáticas e também maior precocidade para o surgimento das complicações da doença. Outra questão interessante para o cotidiano clínico é o perfil de vulnerabilidade dos pacientes para o distúrbio metabólico: obesidade, história familiar, sexo feminino, baixa renda e escolaridade.
O método diagnóstico mais adequado para o DM2 em crianças e adolescentes foi algo que mereceu atenção nesta diretriz da ADA. A glicemia de jejum tem como característica superestimar os casos de DM2 nessa faixa etária enquanto a A1C tem o perfil inverso. O teste de tolerância oral a glicose após sobrecarga tem sido, para esse público, o teste de maior precisão diagnóstica. Apesar dessas controvérsias a ADA ainda recomenda o uso da A1C para o diagnóstico de DM2 nessa faixa etária, exceto para os casos de pacientes portadores de fibrose cística ou início agudo de DM1.  As recomendações referentes a rastreio e diagnóstico obtiveram os seguintes pontos-chave:
  • O rastreio de pré-diabetes e DM2 baseado no risco deve ocorrer para indivíduos acima de 10 anos ou que tenham iniciado o desenvolvimento puberal (o que ocorrer primeiro) com sobrepeso (IMC acima do percentil 85) ou obesidade (IMC acima do percentil 95) e que tenha pelo menos um fator de risco para desenvolvimento de DM2;
  • Caso os testes de rastreio venham inalterados, devem ser repetidos a cada três anos ou mais precocemente se houver aumento do IMC;
  • Glicemia de jejum, teste de tolerância oral à glicose e hemoglobina glicada (A1C) são os testes possíveis de serem utilizados para o diagnóstico do DM2 em crianças e adolescentes;
  • Crianças e adolescentes obesos ou com sobrepeso em que o diagnóstico DM2 for iniciado devem ter o painel de auto anticorpos pancreáticos testados para afastar DM1 autoimune.
O tratamento do DM2 na infância e adolescência, assim como no adulto, depende essencialmente de três pilares: modificação do estilo de vida, farmacoterapia e educação em saúde para o autocuidado. No caso da infância e adolescência algumas medidas serão mais específicas conforme o tipo de DM que estivermos lidando com o paciente, contudo, nas primeiras semanas esse diagnóstico quanto ao tipo do DM pode não estar fechado, especialmente porque nessa faixa etária a abertura de DM2 com cetoacidose não é infrequente.
Em linhas gerais, após o diagnóstico a mudança de estilo de vida é peça fundamental para orientar o tratamento da condição clínica do paciente. Nesse ponto uma abordagem centrada na família necessita ser priorizada, para garantir a aderência do paciente. Quando se envolve toda a família no contexto de mudança de estilo de vida as taxas de sucesso são maiores. Em relação à farmacoterapia apenas a insulina e a metformina tem respaldo para uso nessa faixa etária. A escolha de como iniciar o tratamento você encontra na figura a seguir.
As principais recomendações quanto à mudança de estilo de vida, farmacoterapia e alvo terapêutico estão listadas a seguir:
  • Todas as crianças e adolescentes, juntamente com suas famílias, devem receber informações de educação em saúde sobre DM2 , seu manejo e as questões culturais que envolvem o distúrbio;
  • Jovens obesos ou com sobrepeso que sejam diagnosticados com DM2 devem ser orientados juntamente com suas famílias e estimulados a entrarem em programas para perda de peso com objetivo de redução de 7 a 10% do excesso de peso corporal;
  • Por se tratar de algo fundamental ao longo do ciclo de vida desse paciente o controle de peso e as medidas modificadoras de estilo de vida devem ser ofertadas continuamente a esse paciente;
  • Crianças e adolescentes portadoras de DM2 devem ser estimuladas à pratica de 30-60min de atividade física moderada a intensa cinco vezes na semana e atividade física resistida três vezes na semana, no mínimo;
  • A dieta baseada em alimentos hipocalóricos e balanceada com os diversos tipos alimentares evitando alimentos processados e industrializados deve ser estimulada.
  • Automonitoramento de glicemia capilar em casa deve ser individualizado em cada caso levando em consideração objetivo e necessidade para cada paciente;
  • A1C deve ser avaliada a cada 3 meses;
  • O alvo em pacientes com insulinoterapia deve ser individualizado para cada individuo levando-se em conta que a frequência de episódios de hipoglicemia em pacientes jovens com DM2 é baixa;
  • O alvo de A1C para pacientes com monoterapia com hipoglicemiante oral deve ser 7%, em pacientes com bom suporte familiar e com boas condições de autocuidado metas mais justas com 6,5% podem ser consideradas em consequência dos benefícios de menor complicações microvasculares e lentificação do declínio de células beta.
Resumidamente o que fica das mudanças recomendadas pela ADA é que o DM2 está deixando de ser uma doença de adultos e adentrando a infância e adolescência. Além disso recomendações específicas de rastreio foram feitas para essa faixa etária, além de mais uma vez reforçar a necessidade de controle dos fatores de risco ambientais no controle da doença. Acompanhe conosco o restante da cobertura da diretriz da ADA e fique por dentro também do manejo das complicações do DM2 na infância e adolescência.

Marcelo Gobbo Jr –Residente de Medicina da Família e Comunidade pela Fundação Pio XII – Hospital do Câncer de Barretos ⦁ Membro da American Academy of Family Physicians e da World Organization of Family Doctors
Referências:
  • American Diabetes Association Children and Adolescents: Standards of Medical Care in Diabetes 2019 Diabetes Care 2019; 42(Suppl.1):S148–S164| https://doi.org/10.2337/dc19-S013