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domingo, 6 de setembro de 2015

O DOUTOR FALOU NUMA TAL DE DISFAGIA - Melhor Idade

O diagnóstico da radiografia de tórax não deixou dúvida: pneumonia.
- Sem febre e sem tosse, doutor? – era uma pergunta lógica, feita por Ana Regina. Ela notara que sua tia, dona Aurélia, estava muito sonolenta desde cedo, não queria ficar acordada e não comera nada, desde ontem.
- Minha cara, as infecções respiratórias nos idosos, muitas vezes, têm apresentações diferentes. Nem todos têm febre ou tosse produtiva com catarro. A sonolência e confusão mental podem ser os únicos sintomas para que desconfiemos de que uma infecção esteja instalada. Ultimamente, dona Aurélia andou engasgando na hora da alimentação ou tomando água?
- Dona Marcelina, a cuidadora do dia, disse que tinha dia que titia demorava até uma hora só para almoçar. Esquecia de mastigar e de engolir. Tinha que ter muita paciência. Ontem, então, ela reclamou que ficou quase uma hora para dar meio prato de sopa. Só parou quando titia começou a tossir sem parar. Dona Marcelina me telefonou e disse que estava ficando muito difícil dar comida para titia.
Ouvindo esse relato, o doutor falou para Ana Regina que sua tia, já na fase avançada da doença de Alzheimer, estava com disfagia. Ele iria pedir uma avaliação da fonoaudiologista do hospital e, provavelmente, teria de passar uma sonda pelo nariz até o estômago, para alimentá-la e não deixar mais usar a via natural, a via oral. Pelo menos por enquanto.
- Claro que vai melhorar, prima! – telefonava Ana Regina para sua prima Celeste. – O doutor falou numa tal de disfagia, explicando que a titia já não podia comer normalmente, pois engasgava com qualquer tipo de alimento. E foi num desses engasgos, que um pouco de comida foi parar no pulmão, causando a pneumonia. Ele me deixou mais tranquilo, pois ela não corre risco de piorar, já que os antibióticos estavam fazendo o efeito esperado. E gostei muito da fisioterapia realizada pelo hospital.
Ana Regina e Celeste eram as sobrinhas mais chegadas de dona Aurélia. Seus laços afetivos eram muito fortes, pois a tia ajudara na educação de todos os sobrinhos. Dona Aurélia trabalhou a vida toda no Ministério da Fazenda. Como era solteira, seu salário ajudou a criar os sobrinhos e agora, aos 88 anos, podia lhe dar o conforto de um cuidado melhor, em sua própria casa. Ana Regina, por ser a sobrinha mais chegada e atuante, acabou por ser sua curadora, após um processo judicial, onde o juiz acatou a orientação do médico assistente e o pedido do advogado de dona Aurélia, solicitando sua interdição e curatela. Dona Marcelina era a cuidadora principal, gerenciando também o trabalho das outras três cuidadoras, que se revezavam à noite e nos finais de semana. Nada lhe faltava e todos ajudavam. Tia Aurélia era, de fato, uma pessoa muito querida.
Todos os dias, pela manhã e à tarde, o fisioterapeuta batia na porta do quarto, pedia licença e começava a trabalhar com dona Aurélia. Cada músculo, cada articulação das pernas e dos braços eram cuidadosamente trabalhados. No começo, estavam mais rígidos e dolorosos. Aos poucos, ficaram mais flexíveis e movimentando-se melhor. Sentavam dona Aurélia na poltrona, pela manhã e à tarde. Um capítulo à parte era a fisioterapia respiratória. A paciente não tossia e a quantidade de secreção nos pulmões deixava todos preocupados. Com toda técnica, o fisioterapeuta, pouco a pouco e com a ajuda dos antibióticos, ajudou a sanar o problema. Dona Aurélia já respirava melhor e isso se traduzia nos exames de radiografia e no nível de consciência. Ela já ficava mais acordada na maior parte do dia.
- Bom dia, dona Aurélia! – Dra. Juliana entrou triunfalmente no quarto do hospital – Como vai, dona Marcelina? Ela dormiu bem? Parece até mais disposta e desperta!
- Bom dia, Dra. Juliana – sorriu dona Marcelina, que acabara de render a cuidadora da noite, recebendo a notícia que dona Aurélia dormira bem e só gemeu um pouco, quando as enfermeiras tiveram que trocar a veia do braço, trocando o soro, pois a que tinham instalado ontem, perdeu- se. – Ela dormiu melhor esta noite e já está respirando sem dificuldades. Parece até que me conheceu, quando cheguei.
- Vou começar meu trabalho, avaliando a deglutição e observando se a paciente está engasgando. – começou a explicar seu trabalho de fonoaudióloga.
Após vários minutos de avaliação na cavidade oral, testando alguns tipos de consistência de alimentos, Dra. Juliana sentenciou claramente que dona Aurélia estava com disfagia para todos os tipos de alimentos. Era temeroso dar alimentos pela boca. Teria que se submeter ao tratamento fonoaudiológico e só seria liberada após apresentar segurança e certeza de que não iria engasgar mais. Enquanto isso, deveria alimentar-se só pela via enteral, pela sonda que fora instalada na noite anterior pelo residente de cirurgia geral. O próprio residente tinha falado com a cuidadora da noite, sobre a necessidade provável de ser instalada uma sonda de gastrostomia.
A pneumonia tinha deixado dona Aurélia mais enfraquecida e com menos alguns quilinhos. Dra. Juliana advertiu ao médico de que talvez não fosse mais aconselhado usar a via oral, para alimentar-se. Ficaria a cargo do médico e da família a decisão de instalar a sonda de gastrostomia.
- Doutor, a tia já está com sonda no estômago, vai precisar desta tal de gastrostomia? O que é gastrostomia? - indagava Ana Regina, confusa por ter que decidir junto com o doutor.
- Senhora, nossa fonoaudióloga está temerosa de liberar alimentos por via oral. Ela acha que sua tia vai engasgar novamente e teria o risco de novas pneumonias. A sonda enteral, por ser passada pela narina, causa um incômodo grande ao paciente e pode causar infecções tipo sinusite. Então, temos a solução da sonda de gastrostomia, que nada mais é que uma sonda instalada diretamente no estômago, com saída para a parede abdominal. Ou seja, a sonda fica na barriga da paciente. É uma pequena cirurgia, rápida e com mínimo risco. Pode ser usada por anos e quase não apresenta complicações. Neste momento, parece ser a melhor solução para dona Aurélia.
- Conversei com minhas primas e autorizamos o doutor a fazer o que fosse melhor para nossa tia. Também fiquei satisfeita com a explicação sobre a tal gastrostomia.
Após a instalação da sonda de gastrostomia, a irritação de dona Aurélia passou, ela já não colocava mais a mão no nariz a todo instante. Até a aparência melhorou. Nada de sonda entrando pelo nariz, causando mal-estar a todos. Agora, a sonda na barriga ficava escondida sob a camisola e os visitantes nada percebiam. Melhorando a cada dia, notava-se que a alta hospitalar estava próxima.
Além do médico, do fisioterapeuta e da fonoaudióloga, dona Aurélia recebia também a visita da nutricionista. A responsabilidade de nutrir a paciente, melhorando suas defesas imunológicas e fazendo-a ganhar o peso que perdeu, fez da nutricionista um elo importantíssimo da equipe que cuidava da nossa paciente. Mostrou para dona Marcelina como manusear com assepsia e segurança a nova sonda que fora instalada. Passou para a cuidadora as recomendações de como fazer a dieta, que seria aplicada pela sonda, como comprar os ingredientes, de preparar todo o conteúdo do dia, armazená-lo na geladeira em pequenas porções, que seriam administradas nos horários determinados.
No dia da alta hospitalar, toda a equipe de enfermeiros (verdadeiros anjos, 24 horas por dia), a fonoaudióloga, a nutricionista, o fisioterapeuta e o médico foram despedir de dona Aurélia, das sobrinhas e de dona Marcelina. Passaram dias de angústia juntos e, agora, com a melhora geral do quadro infeccioso, sabiam que tinham feito um belo trabalho. Toda a equipe.

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