Escrito por: Dr. Pedro Pinheiro
O QUE É ANEMIA?
A anemia é um dos distúrbios mais frequentes na medicina. Apesar de ser uma condição comum, ela é muitas vezes mal diagnosticada, mal tratada e quase sempre mal explicada aos pacientes.
Popularmente, a anemia é conhecida como falta de sangue. Esse conceito não está de todo errado, mas podemos ser um pouco mais precisos. Anemia é a redução do número de glóbulos vermelhos (também chamados de hemácias ou eritrócitos) no sangue. As hemácias são as células que transportam o oxigênio, levando-o para todos os órgãos e tecidos do corpo.
A anemia não é uma doença, ela é um sinal de doença. Se o paciente é diagnosticado com anemia, o próximo passo é investigar a causa, pois com certeza há alguma doença por trás provocando a queda no número glóbulos vermelhos no sangue.
Para ficar mais fácil de entender, expliquemos o que é o sangue.
DE QUE É FEITO O SANGUE?
O sangue pode ser dividido didaticamente em duas partes: plasma e células.
O plasma sanguíneo é a parte líquida, correspondendo a 55% do volume total de sangue. O plasma é basicamente água (92%), com alguns nutrientes diluídos, como proteínas, anticorpos, enzimas, glicose, sais minerais, hormônios, etc.
Os outros 45% do sangue são compostos por células: hemácias, leucócitos e plaquetas. Destas células, 99% são hemácias.
A anemia surge quando o percentual de hemácias no sangue fica reduzido, deixando-o mais diluído (as causas serão explicados mais adiante).
O diagnóstico da anemia é feito basicamente pela dosagem das hemácias no sangue, realizada através de em um exame de sangue chamado hemograma. Na prática, a dosagem das hemácias é feita através dos valores do hematócrito e da hemoglobina.
Para entender como se diagnostica uma anemia é preciso estar familiarizado com os termos hematócrito e hemoglobina. Vamos a eles, então.
HEMATÓCRITO E A HEMOGLOBINA
O que é hematócrito?
O hematócrito é o percentual do sangue ocupado pelas hemácias (glóbulos vermelhos). O hematócrito normal fica ao redor de 40 a 45%, indicando que 40 a 45% do sangue são compostos por hemácias.
As hemácias são produzidas na medula óssea e têm uma vida de apenas 120 dias. As hemácias velhas são destruídas pelo baço (órgão situado à esquerda na nossa cavidade abdominal). Isso significa que após quatro meses nossas hemácias já foram todas renovadas. A produção e a destruição das hemácias são constantes, de modo a se manter sempre um número estável de hemácias circulantes no sangue.
O que é hemoglobina?
A hemoglobina é uma molécula portadora de ferro que fica dentro da hemácia. A hemoglobina é o componente mais importante da hemácia por ser ela a responsável pelo transporte de oxigênio pelo sangue.
O ferro é um elemento essencial da hemoglobina. Pessoas com carência de ferro não conseguem produzir hemoglobinas, que por sua vez são necessárias para a produção das hemácias. Portanto, uma diminuição das hemoglobinas obrigatoriamente leva a uma diminuição das hemácias, ou seja, à anemia.
Na prática, a dosagem de hemoglobina acaba sendo a mais precisa na avaliação de uma anemia, uma vez que o hematócrito pode ser influenciado por um sangue mais ou menos diluído.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de anemia é feito quando os valores da hemoglobina e do hematócrito estão abaixo dos seguintes valores de referência:
- Hematócrito normal: 41% a 54% nos homens ou 35% a 47% nas mulheres.
- Hemoglobina normal: 13 a 17 g/dL nos homens ou 12 a 16 g/dL nas mulheres.
É importante salientar que os valores de referência podem variar de um laboratório para o outro, e resultados um pouco abaixo do normal devem ser interpretados pelo seu médico, uma vez que não necessariamente indicam doença. Mulheres com grande fluxo menstrual podem ter valores menores que estes, sem causar nenhum dano à saúde. Uma leve queda no hematócrito nas mulheres pode não ter relevância clínica.
Bom, explicado o básico, vamos ao que interessa.
CAUSAS
A anemia tem três causas básicas:
- Pouca produção de hemácias pela medula óssea.
- Elevada destruição de hemácias pelo corpo.
- Perda de hemácias e ferro através de sangramentos.
Como já referido, é importante entender que anemia não é uma doença, mas sim um sinal de doença. Ao se deparar com um hemograma evidenciando queda do hematócrito, o médico deve investigar qual das três causas acima é a responsável pelo quadro. Não basta prescrever ferro e achar que está tudo bem.
Exemplos de causas de anemia que não se resolvem apenas com reposição de ferro:
1. Um câncer de intestino pode causar sangramentos e perda de hemácias, levando à anemia. Esta anemia é causada por perda de sangue e, apesar do paciente realmente ter carência de ferro, uma simples reposição não irá estancar o sangramento, nem tratar o tumor. Na verdade, repor ferro sem investigar a causa da anemia pode melhorar os valores do hematócrito temporariamente, levando à falsa impressão de resolução do problema, o que só irá atrasar o diagnóstico final.
2. Uma infecção que atinge a medula óssea impede a produção de hemácias, levando à anemia. Neste caso, a queda do hematócrito ocorre por falta de produção de hemácias na medula. Do mesmo modo, repor ferro não irá tratar a causa.
3. Um medicamento que seja tóxico para as hemácias e cause sua destruição antes de 120 dias, também leva à anemia. Anemia por rápida destruição das hemácias também não será tratada com ferro.
Portanto, o simples diagnóstico de anemia não encerra a investigação. Pelo contrário, ele é apenas o primeiro passo para se obter o diagnóstico final. Se o paciente tem uma queda no hematócrito, existe uma causa por trás.
A reposição de ferro só está indicada nos casos de anemia por carência ferro, chamada de anemia ferropriva. Ainda assim, a reposição não elimina a necessidade de se investigar o que está causando a perda de ferro. O paciente pode perder sangue por úlceras no estômago, tumores no intestino, sangramento vaginal, etc. Para saber mais sobre anemia por carência de ferro, leia: ANEMIA FERROPRIVA | Carência de ferro.
Doenças que podem causar anemia
- Neoplasias.
- Insuficiência renal.
- Leucemias.
- Linfomas.
- Mieloma múltiplo.
- Doenças do trato gastrointestinal.
- Hipotireoidismo.
- Deficiências de vitaminas, como B12 e ácido fólico.
- Toxicidade da medula óssea por drogas ou fármacos.
- Doenças do fígado.
- Infecções crônicas ou prolongadas.
- Lúpus.
- Síndrome hemolítica urêmica.
- AIDS.
- Alcoolismo.
- Sangramento digestivo.
Na verdade, qualquer doença que curse com inflamação crônica pode inibir a função da medula óssea e cursar com queda das hemácias, uma situação que chamamos de anemia de doença crônica. Portanto, qualquer doença mais arrastada pode causar anemia.
ANEMIAS PRIMÁRIAS
Na maioria dos casos, a anemia surge devido a alguma doença, como nos exemplos citados acima. Todavia, existem também as anemias primárias, ou seja, causadas por defeitos próprios na produção das hemácias. As anemias primárias são aquelas que não são causadas por outras doenças, elas são a própria doença.
Estas anemias são normalmente doenças de origem genética. As mais comuns são:
- Anemia falciforme.
- Talassemia.
- Anemia sideroblástica.
- Esferocitose.
- Hemoglobinúria paroxística noturna.
- Deficiência de G6PD.
Apenas para reforçar os conceitos: na anemia primária, o paciente tem um defeito genético que o impede de produzir hemácias saudáveis. O paciente nasce com esse problema. Nas anemias secundárias, o paciente passa a apresentar anemia depois de contrair algum problema de saúde ao longo da sua vida.
Anemia vira leucemia?
NÃO! Nenhuma anemia causa leucemia, assim como nenhuma anemia vira leucemia. Na verdade, anemia não só não vira leucemia como nenhum outro tipo de câncer. Entretanto, como já foi explicado, a queda dos valores do hematócrito pode ser um sinal da existência de um câncer, entre eles a própria leucemia. Portanto, a leucemia leva à anemia e não o contrário.
SINTOMAS
Como as hemácias são as transportadoras de oxigênio do nosso corpo, a falta delas leva aos sintomas de uma oxigenação deficiente dos nossos tecidos. O principal sintoma da anemia é o cansaço. A anemia pode ser tão grave que tarefas simples como pentear o cabelo ou mudar de roupa tornam-se extenuantes.
Quanto mais rápido se instala a anemia, mais cansaço e fraqueza o paciente sente. Anemias que se instalam lentamente dão tempo ao paciente se adaptar e podem só causar sintomas em fases bem avançadas.
Apenas como exemplo, se o paciente perde sangue rapidamente e sua hemoglobina cai de 13 para 9,0 g/dL em dois ou três dias, o paciente sentirá um cansaço grande. Se, por outro lado, houver um sangramento pequeno, mas constante, fazendo com que a hemoglobina caia de 13 para 8,0 g/dL em três ou quatro meses, o paciente pode não notar muito cansaço a não ser que tente fazer esforços mais intensos.
Outro sinal de anemia é a palidez cutânea, muitas vezes identificadas até por leigos. Em pacientes de pele negra, a palidez cutânea é difícil de ser identificada.
Um jeito simples de identificar a anemia é olhar a conjuntiva, a membrana que recobre o olho e a região de dentro da pálpebra. Em pessoas normais ela é bem vermelhinha. Já em anêmicos ela é quase da cor da pele.
Além do cansaço e da palidez cutânea, outros sintomas da anemia incluem palpitações, falta de ar, dor no peito, sonolência, tonturas e hipotensão. Nos idosos pode haver algum grau de perda da atenção e dificuldades no raciocínio.
Para saber mais sobre os sintomas da anemia, leia: SINTOMAS DA ANEMIA.
CONCLUSÃO
Como se pôde notar, a anemia é uma situação complexa que pode indicar dezenas de doenças diferentes. O importante é procurar ajuda médica sempre que houver suspeita de anemia.
Não se satisfaça apenas com o diagnóstico de anemia e a prescrição de ferro para tratamento. Pergunte ao seu médico qual é a causa da queda do seu hematócrito e o que está sendo feito para diagnosticá-lo e tratá-lo.
REFERÊNCIAS
- Anemia – American Society of Hematology.
- Anemia – Lab Tests Online – American Association for Clinical Chemistry.
- Your Guide to Anemia – The National Heart, Lung, and Blood Institute.
- Approach to the adult with anemia – UpToDate.
- Anemia in the older adult – UpToDate.
- Greer, J. P., Arber, D. A., Glader, B. E., List, A. F., Means, R. T., Rodgers, G. M., Fehniger, T. A. (2018). Wintrobe’s clinical hematology: Fourteenth edition. Wolters Kluwer Health Pharma Solutions (Europe) Ltd.
Autor(es)
Médico graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com títulos de especialista em Medicina Interna e Nefrologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Universidade do Porto e pelo Colégio de Especialidade de Nefrologia de Portugal.
FONTE: https://www.mdsaude.com/hematologia/anemia/?fbclid=IwZXh0bgNhZW0CMTAAAR3qOo8OpxG1qQye7WWYt89UoJRy5xbri28xUnQ_FsUbE-h55ysv-mO28TE_aem_Afb1p_XHdOr9F16LLW3uq9igrmS5mYNjLKH1IiKA1JccXRLzoWRhm1O8ZwPpzyj7HxRYBD39s4GT7TC98UfoV7KJ
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abs.
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